quinta-feira, 10 de maio de 2018

THE TERROR (2018) - A série




    19 de Maio de 1845. O Terror e o Erebus, dois dos navios mais bem equipados da marinha Britânica, partiam da Europa em direção ao circulo polar ártico na intenção de descobrir a tão sonhada “passagem do Noroeste”, uma rota navegável que ligaria o atlântico norte ao oceano pacífico, facilitando a busca de especiaria e o comércio com o Oriente. Tendo o experiente explorador Sir John Franklin, veterano de outras três missões ao continente gelado, como comandante da expedição e como capitão do HMS Terror, Francis Krozier, do HMS Erebus, James Fritzjames e possuindo uma tripulação conjunta de cento e trinta homens, ambos os navios foram avistados por barcos baleeiros na bahia de Baffin em Julho do mesmo ano, aguardando o melhor clima para adentrar o labirinto gelado do mar do polo norte, depois daquele dia ambos navios e seus tripulantes, nunca mais foram vistos.

   Inspirado nessa assustadora e fascinante história real, o escritor americano Dan Simmons publicava em 2007 o livro “O Terror”, misturando as mais recentes descobertas sobre o possível trágico destino dos marinheiros ingleses com uma assustadora trama sobrenatural que transita entre a misteriosa mitologia Inuit e os limites da mente humana levada ao extremo em uma situação desesperadora. O livro não passou despercebido e, com a produção de Ridley Scott e contando no elenco com atores como Jared Harris, Tobias Menzies e Ciarán Hinds chegou ao canal AMC este ano, sua a adaptação televisiva , trazendo para TV um terror sutil e envolvente por sua estranheza, que apresenta uma dezena de personagens e pontos de vista e que presta uma terrível homenagem a um dos maiores mistérios do século XIX, em uma das melhores coisas que assisti nesse primeiro semestre de 2018.

 
Jared Harris (esq) e o verdadeiro Krozier em foto de 1845 (dir)
A Série é protagonizada pelo capitão Franscis Krozier (Jared Harris), que amargurado por uma rejeição amorosa, parte para o ártico no comando do navio HMS Terror, sendo acompanhado de perto pelo navio HMS Erebus, de onde Sir John Franklin (Ciarán Hinds), tio e tutor da mulher que o desprezou, comanda a expedição mais ousada da marinha da rainha Vitória. No entanto, a pouca sorte na vida íntima se apresentará como o menor dos problemas do capitão Krozier, quando poucos meses após adentrar o ártico ambos os navios acabam presos no gelo, dando aos marinheiros a paciência pela espera do degelo como única alternativa, o que começa a se complicar quando uma equipe que procurava sinais de descongelamento longe dos navios acaba baleando por engano um misterioso xamã esquimó que atravessava o deserto de gelo junto com sua filha. A partir desse dia, uma maldição parece subir a bordo, com os marinheiros se vendo vítimas de envenenamento por chumbo, tendo seu estoque de comida destruído e sendo caçados por uma estranha criatura sobrenatural, que embora lembre um gigantesco urso polar, parece raciocinar e planejar dar cabo da tripulação. Todas essas situações vão insuflar o caos, o amotinamento e a total selvageria entre a tripulação, sobrando ao capitão Krozier e alguns de seus aliados, a tarefa de buscar sobreviver em meio ao pesadelo gelado onde ficarão presos por mais de três anos.

    Que série fantástica! Fugindo do convencional e transportando o expectador para uma trama que especula sobre um mistério de mais de 170 anos temperado com doses certas de suspense e sobrenatural, “O Terror” faz jus ao nome e apresenta uma história com momentos que flutuam entre a construção de tensão de um Stephen King e a loucura que a estranheza total, no melhor espirito Lovecraftiano, pode causar. 

   No tocante a construção da tensão e todo estranhamento que a série possui, a direção e produção se destacam por escolhas que parecem prender ainda mais quem assiste frente a TV. A vasta paisagem branca e gelada, quase sempre contendo apenas o som do vento como complemento, quando não uma música com notas destoantes que consegue transmitir ares de solidão ao mesmo tempo em que se assemelha a um sonho, são tão essenciais na série quanto suas dezenas de personagens que, com destaque no que vemos ou apenas como pontas, nos indicam todas as facetas da situação.

  
Tobias Menzies (esq) e o verdadeiro FritzJames (dir) foto de 1845
Dentre esses personagens, vale a pena destacar alguns que, junto com o Capitão Krozier, Capitão Fritzjames e Sir John Franklin, marcam outros núcleos e encabeçam questões que vão movendo a trama. Dentre os de maior destaque temos o tímido assistente de cirurgião Henry Goodsir (Paul Ready), que em meio ao caos e barbárie que vai crescendo é uma das poucas pessoas que tenta fazer os companheiros ouvir a voz da razão, assim como é quem investiga as causas dos males de saúde que começam a aparecer entre os exploradores, sem dizer que é ele que contando apenas de paciência e empatia, vai buscar aprender a falar a língua dos esquimós para tentar encontrar respostas da misteriosa Lady Silence, a filha do Xamã que é morto por acidente. Essa, por sua vez nos conecta com a mitologia Inuit e o sobrenatural, nos entregando lentamente que por trás daquela sequência de problemas que os tripulantes dos navios vão enfrentando, há uma verdade que vai além da compreensão mundana.

    Mundano, talvez seja a palavra que melhor defina o vilão da trama. Cornelius Hickey (ou seja lá quem ele é realmente) não parece não possuir escrúpulos para sobreviver e é capaz de queimar seus próprios companheiros como combustível se isso significa sobreviver. Ele surge discreto e, tal qual a trama, vai crescendo e ganhando força ao liderar o motim que divide a tripulação e, seu cinismo e violência tomam tamanha proporção, que ao final dos dez capítulos fica difícil de saber se o verdadeiro monstro a ser temido é o Tuunbaq (a criatura que persegue os marinheiros) ou o próprio marinheiro Hickey.

    
Ciarán Hinds (esqu) e Sir John Franklin (foto 1845)
Mas nem tudo é perfeito em “O Terror”. Por resumir um livro de mais de 700 páginas em uma série de dez episódios, muito do aprofundamento da relação dos personagens fica parecendo vago e parece que algo nos escapou. Um exemplo é a estranha relação entre o médico Dr. McDonald com um dos marinheiros do Erebus, que remete a um caso amoroso, mas que não fica bem claro. Do mesmo modo que não fica claro o exato momento que, já sem alimentos e tendo de abandonar os navios, o grupo que acompanha Cornelius Hickey aceita, sem discutir de forma mais ampla, consumir a carne dos companheiros mortos, ou a medida exata em que o Tuunbaq é racional e qual sua verdadeira relação com lady Silence. Mas ao final, até essas pontas soltas ajudam a tornar mais densa a sensação de mistério que a produção traz.

     
Presos no gelo
Mas apesar de seus problemas no aproveitamento total dos personagens e suas relações, “O terror” foi uma das melhores séries que assisti nesse inicio de ano. Sua produção é lindíssima e a sua trama fascinante, principalmente ao lembrar que parte dessa história terrível é real, com a descoberta de que problemas com a solda dos enlatados da expedição permitiram que a comida estragasse antes do tempo e que, com base na necropsia de três corpos da tripulação, encontrados enterrados na ilha canadense de Beechey , houve realmente um envenenamento por chumbo, além de os marinheiros sofrerem com o Escorbuto e a tuberculose; a tradição esquimó da região conta história de luta entre tripulantes e atos de canibalismo sendo que apenas em 2016 (quase dez anos depois do lançamento do livro) os restos dos navios foram encontrados no mar canadense, encerrando um mistério de mais de cento e setenta anos, mas não as circunstâncias e o que realmente aconteceu com a tripulação da expedição de John Franklin.

   Então se quiser algo diferente para assistir, que transite entre o real e o sobre natural, com uma produção caprichada e boas atuações, além de uma história que te prende; embarque no Terror e também se perca na imensidão gelada do desespero humano. Garanto que você não se arrependerá.




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