domingo, 29 de outubro de 2017

ROOM 104 - (2017) quando um mundo cabe em um quarto.




   Ah, o planeta Terra! 510.100.000 km de área que servem como palco pra tudo a que se refere o fenômeno humano. Da descoberta do fogo a construção da primeira nave espacial, das guerras por comida entre tribos ao debate sobre a futura escassez de água, tudo ocorreu e ocorre em um único palco de infinitas possibilidades, o nosso pálido ponto azul! Mas, e se reduzíssemos ao extremo a escala desse palco? 

   Pois contar uma infinidade de histórias, tendo um único e pequeno palco é a ideia central de  “Room 104”, série criada e produzida pelos Irmãos Duplass (de “tranparent” e “Togetherness” (duas séries que nunca vi)), que passou meio em branco pela HBO nesse ano onde se confirmou que Jon Snow é um Targaryen (ops!) e que acabei descobrindo muito sem querer, mas que me trouxe uma surpresa tão agradável, como encontrar uma nota de 20 Reais solta no bolso de uma calça.    




   
   “Room 104” é uma série antológica que a cada episódio apresenta uma história diferente, seja no que se refere aos personagens, tema, estilo ou período histórico, tendo como único fio que conecta todas essas histórias, o palco onde elas são contadas, ou seja, o quarto número 104 de um hotel qualquer. Nesse universo de infinidades, somos apresentados histórias de terror, suspense, sobrenaturais, dramáticas e até a números de dança, com cada história sendo protagonizada por nomes conhecidos (ou nem tanto assim) do cinema, como Orlando Jones (American Gods), Nat Wolff (Dead Note), Melonie Diaz (the Belko Experiment) e Clark Duke (Kick-Ass) em uma história mais maluca que a outra e que merecem ser vistas ainda HOJE.

EP 3 :"The Knockandoo"
   Dessas histórias malucas, gostaria de citar, só para dar um gostinho, mas sem contar muito do que acontece, duas que prenderam minha atenção um pouco mais, tanto pelo clima que criam durante o desenrolar de cada trama, quanto ao final inesperado de ambos os episódios, que são os episódios 2 e 3, respectivamente intitulados de “Pizza boy” e “The Knockandoo”. 
 
“Pizza Boy”, que é estrelado por Clark Duke e conta com a participação de James van der Beek (o Dawson de “Dawson’s Creek”) e Davie-Blue, apresenta a desventura de um entregador, que se depara com um estranho casal ao entregar uma pizza no quarto 104, onde um marido empolgado e teatral deixa o rapaz cheio de incertezas, ao abandoná-lo sozinho com sua sensual e carente esposa.  O episódio me ganhou por sua crescente de tensão, que chega a seu ápice, quando o marido retorna, trazendo o dinheiro da pizza, insegurança e violência, em uma situação que só é superada pelo final totalmente inesperado que o episódio tem.

 
Pizza Boy
Já “
The Knockandoo”, traz Sameerah Luqmaan-Harris como uma mulher cheia de problemas e traumas que vê sua entrada em uma seita como a solução de seus problemas e fim de suas dores, para isso ela solicita a visita, no quarto 104, onde está hospedada, de um missionário (Orlando Jones ) que a ajudará em sua “Transcendência”. Nessa história o que mais gostei foi o clima, onde após uma preliminar de drama  que beira à denúncia contra seitas religiosas, somos lentamente mergulhados em um clima de suspense sobrenatural que lembra, de forma sutil, os contos do “Rei de amarelo” de Robert W. Chambers, fato que é coroado por um final que flutua entre Lovecraft e Monty Python.

     Achei a série bem legal, embora alguns episódios não tenham passado na minha regra de dez minutos ( vejo 10 minutos, se não me prender eu salto fora), talvez por não se enquadrarem nos estilos que mais gosto, o que vendo por outro ângulo, é mais uma vantagem da produção, pois trabalhando com todos os estilos, vai prender o espectador em pelo menos uma história. Outra vantagem, é que cada episódio não chega a trinta minutos, o que dá agilidade a forma como a história é contada, não dando tempo de a trama criar barriga e aliviando quem , assim como eu, não aguenta mais series arrastadas que te comem uma hora sem precisar.


    Então, se você tem pouco tempo e quer ver algo diferente, ou se apenas quer assistir uma série meio maluca, mas muita legal onde cada episódio conta uma história totalmente diferente em estilo, trama, tempo e circunstância; fica aí então a minha dica, doze episódios de menos de trinta minutos que com certeza vão te conquistar através de uma história ou outra em uma produção que mostra que um mundo pode caber dentro de um quarto. 




sábado, 21 de outubro de 2017

ELECTRIC DREAMS (2017) - a série antológica de Philip K. Dick



Final de ano não é fácil meu amigo! Eu que elegi o setembro como meu mês de apocalipse, acreditava que o outubro seria mais tranquilo, mas aí começou o ciclo de férias de meus colegas e meu trabalho duplicou, vendi meu carro e não consegui transferir devido à burocracia do banco e, nem mesmo “Blade Runner 2049” consegui assistir no cinema! Mas tudo isso são “White man’s problems”, (mesmo eu não sendo branco!) e como já faz tempo que sigo a máxima de Confucio de que “Se o mundo está de pernas para o ar, queixo pra cima”, resolvi desencanar e dar uma relaxada. Foi quando fui surpreendido por um presente entregue pela emissora inglesa Channel 4, a todos fãs de Philip K. Dick, a produção “Electric Dreams”, uma série antológica onde cada episódio é baseado em um conto do autor e que mudou o status do meu mês de “tem que melhorar”, para “nada mau”!

A Série, que contará (pois no momento que escrevo se encontra na metade) com dez episódios em sua primeira temporada, estreou no canal inglês nesse último dia 17 de Setembro e traz em seu elenco grandes nomes do cinema para dar vida aos personagens imaginados por Dick, como Benedict Wong (“Dr. Estranho”), Steve Buscemi (Cães de aluguel), Terrence Howard (Homem de Ferro), Bryan Cranston (Breaking Bad), Vera Farmiga (Invocação do Mal) entre muitos outros atores e atrizes que, somados a diretores conhecidos do publico gringo, dão peso a produção da terra da rainha.

Até o momento assisti aos quatro primeiros episódios e o que posso dizer é que a série consegue adaptar com bastante competência todos os conceitos, questionamentos e estranheza que marcam as obras de Philip K. Dick, com a vantagem de ainda possuir todo charme das séries inglesas, que sempre me pareceram menos voltadas para efeitos especiais mirabolantes e mais inclinadas para o roteiro e realização da história.

Sobre esse peculiar clima inglês presente na série, o próprio canal responsável pela obra carrega uma grande parcela do crédito. Já calejada em produções de sucesso, como a minissérie de terror “Dead Set” e sendo quem transmitiu originalmente as duas primeiras temporadas da aclamada “Black Mirror” (ambas as obras de Charlie Brooker), o Channel 4 segue levando ao público um conteúdo que atende as expectativas de quem é fã de ficção científica ou de realidades fantásticas, mas sem perder aquele clima melancólico e acinzentado da Inglaterra e que parecem aproximar as situações mais absurdas com a realidade.

Mas chega de falar de produção e vamos ao que interessa: As histórias.




Como eu disse acima, a série segue o tom dos questionamentos que pautaram toda a obra de Dick, como sua dúvida sobre o que é a realidade, o que nos torna humanos e nossa evolução como espécie, só que de uma maneira muito mais fiel à obra do escritor do que qualquer outra adaptação fez anteriormente, pois embora muitos dos contos e livros de PKD tenham sido levados para o cinema (o próprio Blade Runner é o maior exemplo) muito se utilizou do conceito, mas quase nada teve daquele espirito psicodélico que mesclava o quase absurdo (dê uma olhadinha no livro UBIK) com visões de um futuro não muito otimista e dúvidas humanas, coisa que essa antologia fica muito mais próxima, o que agrada muito a quem é fã, mas pode causar um estranhamento a quem só conhece o escritor por suas adaptações cinematográficas.

Steve Buscemi, como Ed
Nesse contexto de estranheza, nenhum episódio que assisti vence o intitulado “Crazy Diamond”. A história se passa em uma realidade onde tudo que é orgânico começou a se degradar e apodrecer, tanto a comida, como a própria terra e até mesmo as pessoas, parecem caminhar em passos rápidos para a entropia, mas a ciência ainda busca uma solução, então se criam as “Consciências Quânticas” (Os CQ), uma espécie de “pilha genética” baseada nos genes de porcos, que revitaliza aqueles que começaram a falhar, em uma ideia de mundo que lembra, também, o que o autor apresenta no livro UBIK, só que nesse conto não se encontra dentro de um sonho de “meia vida”, mas na realidade. Nesse Universo conhecemos Ed (Steve Buscemi), um cientista especialista em CQ que sonha em fugir do mundo em deterioração em uma viagem pelo mar, junto com sua esposa, até uma distante ilha onde ainda reina a normalidade; só que o aparecimento de uma mulher misteriosa o acaba prendendo a uma trama que envolve conspiração, contrabando e traição.


Robô RB29, do ep: "Planeta impossível"
Outro que chamou minha atenção, justamente por ser o contrário do comentado acima por ser muito mais pé no chão (dentro do que alcança o autor) foi o episódio “The Commuter”, que longe de falar de tecnologia ou futuro, se passa nos dias de hoje e aborda dimensões paralelas. Nessa história, o ator inglês Timothy Spall vive Ed (também) um funcionário de uma estação de trem, que vive um momento familiar difícil, com crises constantes de seu filho que sofre de bipolaridade e o afastamento visível de sua mulher; é quando em seu trabalho uma passageira lhe pede uma passagem para uma estação que não consta nos mapas ou registros e simplesmente desaparece; intrigado ele resolve pegar o trem e investigar, chegando um uma misteriosa cidade no meio do nada, aonde a felicidade e paz chegam a perturbá-lo. Chegando em casa, tudo está mudado, não há registros do nascimento de seu filho e sua mulher está muito mais próxima e amorosa, como se uma nova linha de tempo fosse formada, mas dia após dia, Ed vai sentindo que algo está faltando e resolve voltar a cidade, percebendo que o dia que vivenciou lá parece se repetir e que aquela felicidade toda, talvez não valha a fuga da realidade.

Gostei bastante dos episódios que assisti. O estilo puro de Philip K. Dick, abordando o futuro, dimensões paralelas, inteligência artificial, sem negar os questionamentos humanos, misturado com o estilo inglês de produzir TV, que além do clima britânico que transmite todo um ar de melancólico ainda brinca com as cores, dando mais tons pastel quanto mais imaginativa e estranha é a situação, conseguiu me segurar até o final de cada episódio.

 Então, se você quiser mergulhar em um universo baseado na mente brilhante de um dos grandes nomes da ficção científica e que mudou o status do meu mês, assista a “Electric Dreams” e dê uma chance para toda maravilha e estranheza que são frutos da Obra de Philip K. Dick.


Fica a dica.


quinta-feira, 12 de outubro de 2017

"GUERRA DO VELHO" de John Scalzi

   


    A vida é uma guerra onde, ano após ano, vamos sendo expostos a todo tipo de atrocidades e frustrações. É nela onde criamos laços com outros como nós, mas logo nos habituamos a perdê-los e, se temos sorte, chegamos ao final da última batalha com boas histórias, alguns arrependimentos e muita saudade. Mas, e se aos setenta e cinco anos, tivéssemos uma nova chance de começar do zero, nos atirando as cegas em uma viagem sem volta, onde a única certeza é uma nova vida com muito mais aventura e violência, você toparia?
     O “E porque não?!” para essa questão, é o que dá início a trama de  “guerra do Velho”, livro do escritor John Scalzi, publicado no Brasil pela editora Aleph e que, como uma rajada de MU-35, chegou para quebra meu hiato para falar sobre o que eu mais gosto: ficção científica.

    O livro conta a história de um futuro onde a raça humana chegou à era das viagens interestelares e passou a colonizar diversos planetas, tendo contato com outras civilizações, das quais muitas hostis. É nesse universo que conhecemos John Perry, um publicitário aposentado e viúvo de 75 anos, que se alista nas forças coloniais de defesa (FCD) e parte para o espaço em uma viagem sem retorno para defender nossas colônias, sem imaginar quantos terrores e maravilhas presenciaria após sua última decisão no planeta Terra.


   
Edição da Apleph
Gostei bastante do livro, mas tenho que confessar que minha primeira impressão da história foi negativa e se estendeu assim quase até a metade da trama. Algumas das coisas me desagradaram foram, as muitas semelhanças com “Tropas Estelares” de Robert A. Heinlein e a mentalidade extremamente aberta e “pra frentex” de senhoras e senhores de 75 anos, mas superei a primeira ao focar mais nas diferenças entre as histórias dos autores do que suas semelhanças e a segunda me colocando no exato lugar do protagonista e seu grupo de amigos, que receberam ao final da vida uma nova chance de se aventurar e conhecer coisas novas, em uma situação como esta, se apegar a preconceitos e costumes do passado, não melhoraria a vida nova de ninguém.

   Mas a coisa que mais me desagradou, foi o fato de que tudo acontecia de maneira extremamente perfeita para o protagonista; ele é o cara mais simpático e agradável do mundo e que acaba se cercando dos velhinhos mais bacanas, inteligentes e descolados já na viagem até a nave que os levará ao lugar de seu treinamento; após as melhorias nos corpos dos recrutas (das quais falaremos adiante) é ele quem pega a recruta mais gostosona, é ele quem vira o queridinho do sargento que os treina e que, por isso, é eleito líder de pelotão, é ele quem, em sua primeira batalha, descobre como vencer os inimigos mais perigosos das FCD, é tudo muito perfeito... Aí eu me toquei que o livro é narrado em primeira pessoa e que o protagonista é publicitário, ou seja, ele estava colocando um pouco de “tempero” em si mesmo para se vender como o maior herói que já existiu, em um detalhe tão sutil e brilhante de Scalzi, que mudou minha percepção da história após eu nota-lo.

   



Mas fora esses desagrados iniciais com o livro, “Guerra do Velho” apresenta conceitos muito bacanas e sua história vai crescendo em uma medida tão acertada, que se torna bem difícil para um fã de ficção científica se decepcionar com o que o autor apresentou ao final das trezentos e sessenta páginas. Para começar temos toda a ideia de tecnologia das FCD, começando com a resposta para, como alguém consegue lutar em uma guerra, após os 75 anos de idade? Pois bem, no universo do livro, a raça humana teve contato com outras raças a quase um século e com isso, acesso a muitas tecnologias que se tornaram segredos das colônias, uma dessas tecnologias, é a transferência de consciência e é isso que possibilita a ida dos recrutas à guerra.  Na história, quando se chega aos 65 anos de idade, a pessoa decide se quer fazer parte das FCD dez anos mais tarde e nisso, vários testes são realizados e amostra de sangue e pele retirados, o que os futuros soldados desconhecem (pois nenhum cidadão da terra sabe nada do que ocorre nas colônias) é que um novo corpo, repleto de alterações e melhorias, vai sendo maturado e deixado a sua espera, para quando este  resolver de uma vez sair de seu planeta natal. E o corpo é incrível! Com olhos de Gato para enxergar melhor na penumbra, com corpo na melhor forma atlética possível, com sangue que transporta mais oxigênio e coagula mais rápido para evitar hemorragia, um computador e assistente pessoal instalado no cérebro e uma pele verde rica em clorofila para ajudar a obtenção de energia.

   
Scalzi
 Mas o que mais me agradou foram os conceitos referentes aos alienígenas que as FCD vão de encontro para garantir a segurança dos colonos Terráqueos no universo. Os primeiros a aparecer em batalha e grandes rivais misteriosos da humanidade, são os aliens conhecidos como “Consus”, uma raça extremamente avançada e detentora de tecnologias infinitamente a frente das que aparecem no livro, mas que se limita a ir a campo de batalha com as armas no mesmo nível dos rivais que encontram. Sua aparência é descrita como semelhante a de um inseto meio humano, com quatro braços, sendo que os de cima são duas lâminas extremamente afiadas que eles também utilizam como arma e suas entradas nos planetas são sempre realizadas com rituais e cerimônias, tornando as intensões e razões desses inimigos misteriosas. Também temos os Covandus, seres humanoides de algumas polegadas, que conseguem um relativo sucesso contra a raça humana utilizando sua força aérea em miniatura, ou o misterioso fungo da colônia 622, uma entidade coletiva inteligente que dominava o planeta e que esperou o momento oportuno de atacar e matar todos os colonos adentrando pelas vias aéreas dos coitados e excretando ácido em seus pulmões, fato que faz com que a raça humana desista do planeta em questão, ou ainda os antropófagos Rraeys, criaturas de características que lembram aves e que enxergam na raça humana uma iguaria sem igual; são estes últimos os responsáveis pelo massacre do planeta Coral, o ponto de virada do livro e que dá início a uma sequência de batalhas e lutas que alavancam a trama com muita ação.


   Pois bem, Eu poderia escrever parágrafos e mais parágrafos sobre o livro, citando a relação do protagonista com seus amigos, seu crescimento dentro das FCD, explorando a possível ditadura e, quem sabe, distopia por de trás do governo colonial, ou simplesmente falando sobre as “Brigadas Fantasmas” o time de elite das FCD, mas como na maioria dos livros que resenho, não fiz questão de me aprofundar para que quem conhecer por aqui e se interessar pela obra, não tenha suas expectativas totalmente estragadas por esse texto. Deixo aqui só a certeza de que "Guerra do velho” é um livro divertido e que apresenta um universo extremamente interessante e para quem, assim como eu, se incomodar com um protagonista que não erra, digo para ter paciência; para quem enxergar semelhanças com outras obras, calma, há muito mais originalidade do que homenagens. Faça então como os recrutas da FCD e deixe de ser velho leia a obra de John Scalzi e mergulhe em uma viagem sem volta repleta de aventura, ação e violência, tal qual as batalhas da vida, mas com garantia de muito mais diversão do que frustrações.