quinta-feira, 10 de agosto de 2017

SLEIGTH (2017) ou, o truque metalinguístico do boy magia



Muitas pessoas adoram um easter egg, aquelas mensagens escondidas dentro de filmes que fazem referências a outras obras do mesmo universo ou que remetem a outra produção memorável. Tem gente mesmo que se dedica a procurar essas mensagens secretas e nos premiam com surpresas como a do cartaz de "Batman vs Superman" no filme "Eu sou a lenda" de 2007, ou as diversas referências que evidenciam a união dos filmes de um grande diretor, como no caso que inspirou o curta "Código Tarantino", protagonizado por Selton Melo e Seu Jorge. Já eu, que sou metido a diferentão, me sinto maravilhado quando percebo um filme que usa metalinguagem para questionar a si mesmo e se aprofundar nos dilemas do autor ou no tema que se propõem a abordar. E foi esse maravilhamento, com algo tão sutil, que me prendeu no filme "Sleigth" do diretor Justin Dillard, que estreou em Abril na Gringa e chegou até mim por pura mágica.

O filme conta a história de Bo, um jovem mágico de rua que usa seus talentos com truques para sustentar a irmã caçula após perder seus pais. Sem conseguir dinheiro suficiente de maneira honesta, ele acaba complementando sua renda através do tráfico de drogas, trabalhando para um conhecido nas noites de Los Angeles. No entanto, após conhecer uma garota especial e tentar forçar sua saída do mundo crime adulterando as drogas de seu fornecedor, para assim conseguir mais dinheiro e fugir, Bo é descoberto, tem sua irmã capturada e precisa pagar com juros o prejuízo que que causou a seu empregador ilícito, restando a ele a espera de um milagre financeiro ou a utilização de seus dons para salvar a vida da irmã.

O filme está longe de ser a melhor coisa que o cinema nos proporcionou esse ano, não indo muito além de um drama social com pitadas de ficção cinetífica e um toque de filme de super-herói; seu ritmo é lento e os personagens periféricos são pouco desenvolvidos a ponto de acreditarmos que a única razão da personagem da gatissíma Seychelle Gabriel se apaixonar pelo protagonista seja realmente mágica. Mas, como eu disse acima, o filme me prendeu pela metalinguagem que utiliza para falar de si mesmo desde seus trailers até sua conclusão e isso me entregou satisfação com a produção a ponto de ser relevante para ser resenhada.

O filme todo é uma espiral de metalinguagem, começando por seus trailes. Seus primeiros vídeos promocionais são um embuste, fazendo com que acreditemos que a trama aborda a história de um rapaz que, de alguma maneira, possui super-poderes; o que não é de todo mentira, mas que não ocupa nem quinze minutos da trama e após assistirmos a produção, percebemos que a intenção dos responsáveis era utilizar um truque ("sleigth" em inglês) para que olhassemos para outro lado enquanto tinham a pretenção para falar muito mais das dificuldades de um jovem talentoso em criar a irmã sozinho em meio a um ambiente de violência e descaso social, do que do nascimento de um super-herói.


Já no filme em si, o constante close nas ferramentas do protagonista, onde vemos tanto equipamento para manutenção de eletrônicos como um enorme poster de Houdini, o mítico mágico rei das fugas, fazem referência ao próprio protagonista, ele mesmo procurando uma maneira expetacular de se livrar das correntes que o prendem na situação que se colocou, sendo sua inteligência e talento a chave para isso. Outro fato é que temos alguns diálogos que abordam os talentos especiais do protagonista e sua moral, o que no decorrer da história vão ser mostrados (ou não), como quando conversando com sua namorada, Bo conta que se apaixonou por mágica ao conhecer um ilusionista de rua que atravessava a própria mão com uma faca e que lhe disse que só revelava seus truques a companheiros de profissão, o que ocorreu anos depois quando ele voltou a encontrar o mágico e este lhe disse como fazia, o que é , também, um espelho de como o próprio Bo, consegue fazer; esse diálogo vai fazer ainda mais sentido ao final da história, quando após dizer para , agora sua companheira, que estava trabalhando em um truque novo, vemos apenas a surpresa no olhar dela, ao espiar a oficina do protagonista por uma fresta na porta, como se o segredo não pudesse ser revelado para nós, mero público.

Mas como já comentado, nem todos os truques que dão movimento ao filme funcionam. Se somando ao pouco desenvolvimento dos coadjuvantes e ao ritmo da história que por vezes cai abruptamente, a trama possui alguns arcos que não se concluem e isso interfere direto com o fechamento do próprio protagonista, como no caso de seu relacionamento de fornecedor de drogas e cliente com a personagem de Cameron Esposito, que é a gerente de uma boate. Em determinado momento, Bo sem saber mais o que fazer para conseguir o dinheiro do resgate da irmã, furta uma determinada quantia do cofre da cliente e foge, quebrando um elo de confiança que havia entre os dois personagens desde o início do filme, mas as consequências dessa quebra não são mostradas e ficamos sem saber o que houve com a moça e tão pouco vemos arrependimento ou questionamento por parte do protagonista ao final. Outra situação semelhante é a ocorrida com o antagonista da história, que passa quase toda trama falando em respeito e utilizando de métodos agressivos contra quem ousa desafia-lo (chegando a mandar amputar a mão de um rival) , mas que após o embate final se mostra um covarde e assustadiço bandido de faz de conta, quase não colocando empecilhos na atitude do protagonista para salvar a irmã, fatos que somados ao final da história, onde vemos Bo continuando a fazer mágicas na rua, demonstram que o personagem não teve o crescimento que deveria após tudo que viveu, o que torna toda a jornada vazia.

Entretanto, em meio a muitos furos de roteiro e altos e baixos na trama, me diverti com o truque que o filme faz consigo mesmo buscando nos enganar como se a própria história contada fosse um mágico. Seu tom é bacana, lembrando a estrutura de um pequeno conto, sem pretensão de se estender além do que quer mostrar, o que em épocas de franquias gigantescas e universos que não terminam de se expandir nunca por vezes cai bem. Então se assim como eu, roteiros que se aprofundam dentro de si mesmos te agradam e não ser enganado pelo trailer não te ofende, ALACAZAM, esse é um filme que talvez você goste de assistir.





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