domingo, 8 de janeiro de 2017

PASSAGEIROS (2016)

A ficção científica vem há anos tomando um lugar mais iluminado dentre os estilos mais populares de cinema. Com produções como “Interstellar”, de Christopher Nolan, e “Gravidade” de Alfonso Cuarón, se tornando novos clássicos e abocanhando, além do aplauso da crítica e público, prêmios como o Oscar, Globo de ouro e o BAFTA, o estilo vem crescendo a cada ano e atraindo para si um grande número de astros e diretores. No entanto, o sucesso do estilo, depende bem mais do que o esmero nos efeitos visuais e a visão futurista da sociedade perfeita, pois a ficção científica de qualidade é aquela que reflete os problemas vividos no momento onde sua trama foi escrita, mas imaginada tendo consequências em um futuro distante, ou servindo de pano de fundo para apresentar problemas pessoais dos personagens, onde todos se identificam; justamente como fazem os filmes de Nolan e Cuarón, e, o que tenta fazer o mais novo filme estrelado por Jennifer Lawrence, Chris Pratt e dirigido por Morten Tyldum; “Passageiros”, que conta uma história de amor e (quase) catástrofe em meio a uma viagem intergaláctica.

“Passageiros” conta a história de Jim Preston (Pratt), um engenheiro mecânico, que na busca de maiores oportunidades parte, em animação suspensa, abordo da nave Avalon para ser um colonizador do planeta Homestead II juntamente com mais cinco mil pessoas. A viagem de cento e vinte anos é considerada rotineira e os equipamentos à prova de falhas, no entanto Jim é acordado noventa anos antes do prazo e se vê sozinho e impossibilitado de conseguir ajuda. Após um ano de solidão o engenheiro resolve acordar Aurora Lane (Lawrence), uma jovem escritora cuja obra foi a responsável pelo mesmo não perder sua sanidade, o tempo passa e o relacionamento de dois vai se estreitando até se transformar em uma romance, mas o que acontecerá quando Aurora descobrir que Jim a condenou a viver seus dias em uma viagem sem fim tendo apenas ele como sua companhia? E, o que eles farão ao descobrirem que a Avalon está indo de encontro com uma falha iminente que poderá causar a morte, não só deles, como das demais cinco mil pessoas?

Pois bem, “Passageiros” tem uma premissa bacana, fala sobre colonização espacial, em especial da viagem centenária para alcançar outro planeta habitável, e, como toda história de ficção científica que se destaque, aborda temas em que todas as pessoas conseguem se identificar, como solidão, romance, perdão e sacrifício. No entanto, o filme, que não chega a ser ruim, parece ficar devendo alguma coisa, uma ausência presente em toda trama, que, alias, parece nunca engrenar. Talvez o que falte seja um antagonista digno do elenco, ou diálogos mais densos e um aprofundamento maior naquela sociedade futurista, mas o fato é que, fora o enredo que fala de um futuro fantástico, “Passageiros” é um grande “Lagoa Azul” no espaço.

Talvez o pessoal mais novo não conheça, mas “Lagoa Azul” era um clássico da sessão da tarde da Globo, que repetiu inúmeras vezes e que contava a história de um casal de crianças que sobrevive a um naufrágio e vai parar em uma ilha deserta, crescendo junto, se apaixonando e vivendo as delícias e perigos do isolamento, exatamente a mesma premissa que o filme “passageiros” nos traz. Essa referência ganha força quando percebemos que a  produção é protagonizada por dois dos atores que, além de serem dois dos nomes em maior ascensão no cinema atual, são dois símbolos de beleza do momento, Chris Pratt, o Star Lord de “Os guardiões da Galáxia” e a oscarizada Jennifer Lawrence, a Mística dos últimos filmes dos “X-men”, o que nos leva a pensar que o enredo do filme tem como motivo o simples fetiche de se ter um belo casal preso a sós em um lugar onde tudo de que precisam está disponível e ninguém pode os incomodar, o que não foi má ideia para um filme dos anos oitenta como “A Lagoa Azul” e pode funcionar ainda hoje em um curta e até para um soft porn, mas que deixa muito a desejar no que se trata de uma produção de ficção científica.



 Um fator que talvez nos fizesse ignorar as questões que deixam a desejar na trama seria se a química entre os protagonistas funcionasse de forma perfeita, no entanto não é o que acontece. Chris Pratt que tem o humor como seu maior trunfo, não consegue convencer como o solitário e apaixonado Jim Preston, parecendo não possuir as qualidades necessárias para cativar Aurora Lane, a personagem de Jennifer Lawrence que, nesse filme, longe das rotineiras atuações de luxo que lhe renderem um oscar, transparece,  uma apresentação forçada e nos passa até um ar snobe e superior. Problemas que acabam por fazer com que não nos preocupemos de verdade com o destino de ambos os personagens.

No entanto, as mesmas características que parecem não unir o casal os abrilhantam quando os temos separados em tela. Chris Pratt, que domina solitário um quarto do filme, consegue arrancar algumas risadas quando decide viver tudo que a nave Avalon tem a oferecer a seu único hospede desperto e emociona sem precisar usar uma única palavra, quando sozinho faz um tour por fora da nave contemplando a imensidão do vazio externo que é semelhante o seu interno. O mesmo serve para Jennifer Lawrence, que se mostra sensual e sensível, quando , escrevendo seu livro em meio a viagem, aborda temas como solidão e passado, sem, contudo repetir o que Pratt oferece.

Partiu espaço?
Mas apesar de tudo, o filme ainda parece carecer de um motivo melhor para aquelas pessoas se encontrarem naquela situação inusitada e de um problema digno que os conecte de vez. Descobrimos, após mais de uma hora e meia de filme, que o problema que pode causar a morte de todos na nave e que despertou Jim Preston dois anos antes, foi um meteoro que atravessou os comandos de refrigeração do reator da nave; mas desde o início da trama sempre é dito que a nave é a prova de meteoros, falhas nas câmaras de hibernação e erros de sistema, mas erros são tudo que ocorrem na Avalon, nos remetendo agora ao “Titanic” de James Cameron, que era , segundo seus construtores, inaufragável, mas que foi a pique em sua primeira viagem. O pior é que, mesmo com Preston sendo engenheiro, é necessário que outro personagem (Lawrence Fishburne, com seu primeiro “magical negro”) surja para lhe mostrar onde estão os problemas que devem ser solucionados, para logo depois morrer, em uma das pontas mais desnecessárias dos últimos tempos, perdendo apenas para a que Andy Garcia faz nessa mesma produção, que se resume a sair de uma sala, parar na porta e fazer uma cara de espanto pouco antes dos créditos começarem a subir, de qualquer forma, se espera mais de um filme que junta dois astros em ascensão e traz um elenco de apoio de peso como o citado acima.

Bora !
Para encerrar, o filme ainda parece querer nos passar uma ideia de felicidade simples, baseada na cumplicidade e dependência mutua sustentada por uma forma de releitura de contos da bíblia. Assim temos um Adão e uma Eva, a bordo de um Éden futurista (talvez daí o nome Avalon da Nave, que na lenda era uma ilha famosa por suas belas maças), onde ao contrário do que fala no velho testamento, o pecado parte do homem que se apaixona e não mede as consequências em tentar ter a mulher ao seu lado. Da mesma forma a trama parece referenciar a história da arca de Noé, com o casal enfrentando um grande problema para conseguir com que os demais passageiros e tripulação cheguem ao seu destino e perpetuem o legado da humanidade, mas isso fica tão em segundo plano, que acaba esquecido quando o diretor resolve transformar a história de amor em tema central.


Enfim, “Passageiros”, embora não seja um filme que desmereça a ficção científica, ou que seja realmente ruim, não é uma produção que deva ficar muito tempo na lembrança de quem assistir, alcançando, no máximo, o status de filme divertido. O filme, que tem uma premissa bacana e consegue, até certo ponto, conectar o expectador com os personagens (principalmente o de Chris Pratt), falha ao não se aprofundar no universo a que aqueles personagens pertencem ou nos apresentar um problema excepcional que além de criar uma mudança dentro da história, justifique o que acontece ao final da história, dando á produção ares de sessão da tarde que jogam um balde de água fria em quem teve expectativa por um filme protagonizado por dois atores muito queridos pelas gerações mais novas e dirigido pelo mesmo diretor de “O jogo da Imitação”, desaparecendo assim no horizonte das produções de ficção científica como só mais um filme desliga cérebro.



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