sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

O ROUBO DA TAÇA (2016)

O cinema brasileiro sempre foi visto com desconfiança pelos próprios brasileiros. Talvez pela pouca qualidade técnica, herança do tempo onde a maioria dos filmes que o Brasil produzia vinha da boca do lixo, com suas pornochanchadas e produções de baixo orçamento, ou pelo fato de grande parte das histórias levadas ao público tratarem sempre de tramas pouco diversificadas, vividas no período de ditadura ou retratando problemas sociais vividos em favelas. Mas esse quadro vem mudando bastante e hoje, com melhor acesso a equipamentos de qualidade e a visibilidade dada pela internet, o que favorece o patrocínio a quem pensa fora da caixa, o cinema tupiniquim vem crescendo gradualmente no que tem a oferecer a seu espectador, deixando pouco, ou nada a desejar a produções estrangeiras.

Uma produção que ilustra essa mudança em nosso cinema, mesmo ainda tendo laços com os temas miséria e ditadura militar, é o ótimo filme, dirigido por Caíto Ortiz e roteirizado pelo mesmo junto com Lusa Silvestre, "O roubo da Taça", que conta de maneira divertida e inteligente o episódio do roubo da taça Jules Rimet, ocorrido em Dezembro de 1983 e que, assim como o Curta "Ninjas", de Dennison Ramalho, me deu novas esperanças sobre o futuro da sétima arte brasileira.


"O roubo da Taça" conta a história de Sérgio Peralta, um malandro carioca, corretor de seguros, viciado em jogo e apaixonado por futebol, que após ser ameaçado de morte por um credor, resolve, junto com seu amigo "Borracha", roubar a cópia da taça Jules Rimet, que havia se tornado propriedade da CBF após a seleção de futebol brasileira vencer três copas do mundo. O que Peralta desconhece é que na terra da malandragem, camarão que dorme a onda leva e, por engano, a CBF deixou a taça verdadeira exposta e colocou a cópia em um cofre, entregando um abacaxi na mão dos ladrões e deixando o expectador boquiaberto ao saber que essa história maluca é baseada em fatos reais.

O filme é uma grata surpresa em todos os aspectos. Seja com o modo como conta e desenvolve a trama, ou no que se refere a montagem, ou mesmo na fotografia, "O roubo da taça" mostra que é possível fazer cinema de qualidade no Brasil. O roteiro do filme é bem redondinho e divertido, não deixando grandes pontas soltas na trama (a não ser, onde foi parar o Bispo?) e consegue desenvolver bem os personagens envolvidos e até justificar e tornar bacana a narração feita de forma didática pela personagem de Taís Araujo. A palheta de cores que o filme tem, onde se vê grande predominância amarelo e marrom, cores da moda no início dos anos oitenta, me pareceram remeter a cor da camisa da seleção brasileira e a um sinal de que vai dar "M"; fato que ainda se sustenta pela investigação feita pelo personagem de Milhem Cortaz, que fica em segundo plano no filme, mas aumenta a tenção da história e, pela montagem que lembra a forma dos filmes americanos de roubo e suspense.

Comparando com produções estrangeiras, é impossível de não lembrar de "Fargo" dos irmãos Coen, ao assistir "O roubo da taça". Os dois filmes contam histórias de erros absurdos envolvendo crimes, ambos possuem uma dupla de marginais nada ortodoxa e terminam com uma mulher se dando bem, se tornando opostos apenas no que se refere ao clima das locações, pois enquanto "Fargo" se passa na gélida Minesota, ao Norte dos E.U.A, "O roubo da Taça" tem o tropical Rio de Janeiro como cenário e, embora o filme dos irmãos Coen se destaque mais pela violência, o filme brasileiro tem a vantagem de realmente ser baseado em uma história real.

Vai dar "m"
Sobre a verdadeira história do roubo da taça Julles Rimet, fiquei tão impressionado com o que vi no filme, que fui obrigado a procurar mais sobre o que aconteceu naquela noite de 19 de Dezembro de 1983 no prédio da CBF no Rio de Janeiro, e, me deparei com um capítulo de um programa que fazia muito sucesso nos anos 90, na rede Globo, o "Linha direta", um programa semanal jornalístico, que misturava documentário com investigação e, toda semana, trazia casos que variavam entre crimes famosos, denuncias de fugitivos da lei e casos fantásticos. Nesse capítulo do "linha direta", pessoas do nível de Pelé e Carlos Alberto Torres falam como receberam a notícia do roubo da taça e especialistas, como o responsável pelas investigações na época, contam como as investigações procederam e o que supostamente ocorreu com o troféu do tri, que nunca mais foi encontrado; o programa é muito bom e está todo no youtube. (link abaixo)

O elenco é fantástico. Protagonizado pelo não tão famoso Paulo Tiefenthaler, que mesmo assim chama pra si e se apresenta como uma grande opção na comédia, o filme tem ainda Taís Araujo, esbanjando beleza e malícia, no papel de Dolores, a companheira de Sérgio Peralta e narradora da história; Milhem Cortaz, como o investigador durão da polícia civil que busca resolver o caso do crime, Mister Catra, como um comprador de ouro fanático pela copa de 70 e Stepan Nercesian, como o presidente da CBF; o que mais se precisa dizer?

Pois bem, sabendo que o filme foi baseado em um episódio real ocorrido em nosso querido Brasil-sil-sil e deixando claro que o filme me agradou de mais e me deu esperanças para um cinema Brasileiro que abocanhará muitos prêmios internacionais e faturará muita grana, não posso estragar a experiência de quem quer ver "O roubo da Taça" dando mais detalhes, só dizer uma coisa: Assista!, pois com certeza o filme de Caíto Ortiz irá mudar sua percepção de cinema brasileiro daqui para a frente, pois "O roubo da taça" é um filme original e inteligente, repleto de humor, que conta com agilidade um dos episódios mais tragi-cômicos ocorridos no país do futebol e da malandragem, deixando claro que, muito antes dos fatídicos 7x1, nosso país já tinha muito para explicar ao mundo de como funciona nossas organizações e sociedade.

TRAILER:




LINHA DIRETA: O ROUBO DA TAÇA


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