sexta-feira, 29 de julho de 2016

TROPAS ESTELARES (de Robert A. Heinlein)

Um arrepio percorreu meu corpo e um sorriso surgiu no meu rosto, permanecendo ali por longos minutos enquanto eu olhava fixamente para a capa do livro. Essa frase, que poderia ser o final de um poema ruim, descreve o que senti ao terminar de ler "Tropas Estelares", o clássico livro de Robert A. Heinlein, que graças a editora Aleph, agora enfeita a minha estante em lugar de destaque.

O livro se passa em um futuro não datado porém distante, onde a raça humana superou suas diferenças e passou a colonizar outros planetas, se unindo em uma federação altamente militarizada, onde apenas quem cumpre o serviço militar torna-se um cidadão, podendo assim exercer seu direito a voto e participar da vida política. É nesse ambiente que conhecemos Juan "Johnny" Rico, que após completar dezoito anos, por influência de seu melhor amigo e orgulho frente a seu interesse romântico, decide se alistar no serviço militar e por não ter nenhum talento especial é designado para a infantaria móvel. Durante seu tempo de serviço, a federação "terrana" entra em guerra contra uma raça alienígena conhecida como insetos e esse evento mudará para sempre o destino e ideias do protagonista ao lhe mostrar os horrores da guerra e o valor de seus companheiros de armas.

Como fã de ficção científica, quis ler "Tropas estelares" desde quando era criança, após descobrir que o filme (ruim) de Paul Verhoeven era baseado em um livro e, meu desejo só cresceu com o tempo ao descobrir da influência da obra e do autor, tanto na literatura, quanto no cinema. E não é pra menos, o cara é gênio! Consegue prender a atenção do leitor do início ao fim e transformar em interessante até mesmo a listagem da hierarquia da infantaria móvel, ou como são divididas as tropas durante a guerra e sua forma de transporte.
O livro já começa nos colocando no front de batalha, de uma forma tão ágil e vertiginosa, que dá a sensação que somos soldados inexperientes acompanhando veteranos. Esse simples truque narrativo, de mostrar a ação, para depois contar como se chegou até aquele momento, fato que a industria de cinema utiliza em muitos casos (inclusive no próprio filme baseado no livro), me pegou na hora e em menos de cinco páginas já estava fisgado pela história. O fato dele ser narrado em primeira pessoa, foi outra coisa que colaborou para o livro me agradar desde o inicio, pois deu uma ar de intimidade, de desabafo a história contada. Somos assim todos confidentes das dúvidas, frustrações, medos e expectativas de Juan Rico e vamos aprendendo e crescendo na trama junto com ele.

Ainda sobre a narrativa, temos que destacar que a história do protagonista tem muito da jornada do herói (https://pt.wikipedia.org/wiki/Monomito) mas isso não diminui em nada o gênio do autor, muito pelo contrário, mas podemos resumir a trama da seguinte forma, usando os passos do monomito: Rico começa o livro com sua vida civil (mundo comum), seguindo com a chamada para a aventura feita por seu amigo Carl; onde ele pensa em recusar e seguir a vida de seu pai, mas acaba se alistando para impressionar a "pequena Carmen"; encontra seu mentor primeiramente no professor Dubois e depois no sargento Zim; sofre provações e testes no acampamento Currier; sobrevive a batalha de klendathu; Vê sua tropa se abalar quando o tenente morre, é recompensado por seus esforços quando resolve se inscrever na escola de formação de oficiais, Volta para um teste em campo, onde tem êxito, porém sofre um acidente onde quase morre, mas essa experiência o aprova como oficial e proporciona a ele levar a sabedoria a seus companheiros.

Armadura da animação de 2012
Embora a história contenha a estrutura do monomito, o universo criado por Heinlein e seus conceitos científicos e sociais, são o que mais chamam atenção. As aulas de história e filosofia da moral, que são relembradas pelo protagonista sempre que este se depara com uma situação de conflito pessoal ou é exposto a questões mais profundas, foram para mim o grande ponto profundo do livro; ali se encontram o conteúdo onde a sociedade apresentada se baseia e isso é muito interessante, principalmente porque os debates levantados pelo professor Dubois são extremamente atuais, quando paramos para pensar que o livro foi escrito em 1959. Nesses debates, Rico e seus colegas vão analisando escolhas e princípios da sociedade através do período histórico e assim vamos descobrindo com base em quais visões, aquela sociedade se moldou, então temos a ideia da "violência controlada para alcançar um objetivo", onde é exposto que se o inimigo não pode revidar, o problema está solucionado, somos apresentados a argumentos sobre direito e dever que nos remetem a sociedade atual e também a ideia de castigo físico como corretivo e base da educação, esse último argumento tão bem debatido, que li o capítulo duas vezes e terminei convencido que o professor Dubois não está tão errado (a Xuxa que não me ouça).

Em complemento as questões sociais, Heinlein ainda apresenta alguns conceitos científicos bem bacanas desse futuro e que dão uma ideia mais ampla da sociedade onde a história se passa. Um exemplo desses conceitos são as armas da infantaria móvel, o autor utiliza um capítulo inteiro para descrever como é e funciona a armadura utilizada pelos soldados, indicando com riqueza de detalhes como a tecnologia supriu as necessidades humanas nas batalhas em outros planetas, sem dizer que ele ainda cita a aceleração Cherenkov, como explicação para como a marinha espacial atravessa as grandes distâncias de uma estrela a outra; além disso, Heinlein ainda fala de manipulação genética com a apresentação do grupo K-9, que utilizam duplas de homens e "neo-cães" (uma especie de cão inteligente falante) que é totalmente ligado e dependente de seu parceiro. Durante o livro também somos a presentados a supostas evoluções humanas, na misteriosa menção a "homens sorte", "telepatas" e ao final, na misteriosa presença de um sensitivo, fatos que tornam o universo do livro tão amplo, que parece impossível perceber todos seus detalhes apenas com uma leitura.

Deu Bug
Além de todas as questões abordadas em relação a sociedade, conceitos científicos interessantes e debates instigantes, o livro ainda conta com cenas de ação e batalhas muito empolgantes. Como citei anteriormente, o livro começa nos mergulhando em um conflito, sem explicar quase nada, apenas mostrando como as coisas acontecem em uma batalha naquele universo; conforme vamos lendo o livro e outras batalhas vão sendo descritas, vamos crescendo em experiência juntamente com o protagonista e nos tornando disciplinados na forma de operação da infantaria móvel. Porém, o autor não tenta glamorizar a situação e descreve as consequências da guerra com o mesmo talento utilizado para sustentar a opinião dos professores nas aulas de História e filosofia da moral, de forma direta e crua e assim temos cabeças se soltando do corpo, cães inteligentes que se matam por medo e cidades argentinas esmagadas por alienígenas inimigos, mostrando que a guerra, seja no futuro ou nos dias de hoje, não é algo bonito e celebrável. Além de tudo, o autor ainda consegue diminuir a tenção dos horrores das experiencia de guerra do protagonista utilizando de um senso de humor sutil, abordando muitas dos problemas, principalmente os citados nos treinamento com ironia e até deboche pontual, nos fornecendo momentos de escape que nos transmitem empatia e dão ares de realidade meio a uma história de ficção futurista.

arte clássica
Durante a leitura, a obra ainda me proporcionou uma grande surpresa. Ao postar no twitter que devido ao discurso que falava de mérito e dever em preferência a ideia de direito e oportunidade, eu enxergava os pensamentos do autor como sendo um contraponto as ideias dos personagens de Philip K. Dick, que , no meu entender, sempre criticou a sociedade através de personagens marginalizados e que viviam angustiados buscando seu espaço em uma sociedade que os oprimia. Para minha surpresa, o tradutor de "tropas estelares", Carlos Angelo, respondeu meu questionamento e , através de um discurso tão convincente quanto do professor Dubois, me mostrou que na verdade os personagens de Heinlein tinham tantos dilemas sociais quanto os de Dick, sendo o próprio autor de "O homem do castelo alto" influenciado pela obra e pensamento de Heinlein (não importando a visão política dos dois). Angelo ainda me fez a gentileza de indicar alguns livros para complementar essa visão sobre a obra do autor (que com certeza lerei em breve) e tivemos uma conversa bem bacana sobre o universo do autor (dentro do que 140 carácteres nos permitiram).

O que mais eu poderia falar sobre esse livro, a não ser que ele é uma das melhores obras do gênero que já li?! É um livro escrita com primor e genialidade, misturando com competência ação, debates filosóficos e até crítica social; consegue ser divertido e profundo sem parecer forçado e plantou em mim a vontade de ler tudo que Heinlein escreveu (tanto que já reservei "Um estranho numa terra estranha" para próxima semana). Posso definir minha experiência de leitura dizendo que uma das melhores sensações do mundo é quando desejamos muito uma coisa e quando a temos, ela supera todas nossas expectativas e, foi exatamente isso que senti quando terminei as 364 páginas desse clássico. Tropas estelares é um livro fantástico, cheio de ação e questionamentos que vão te fazer querer reler o livro assim que terminá-lo, um clássico obrigatório para quem é fã de ficção científica e uma possível porta para a literatura para quem quer começar a ler, me apresentou a genialidade de Robert. A Heinlein, autor que pretendo ler toda obra e indicar para todos meus amigos, para honra e glória da infantaria.


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