terça-feira, 5 de julho de 2016

RELATOS SELVAGENS (2014)

"Por que o cinema brasileiro não consegue se desvincular da situação politico-social do país e entregar produções que conversem com qualquer ser humano?", Essa foi a pergunta que minha mente repetia em looping ontem ao assistir "Relatos selvagens", brilhante filme argentino de 2014, dirigido por Damián Szifron e estrelado por um grande elenco, que foge a tudo que o nosso cinema tupiniquim vem apresentado desde sempre e é tão bom, que dá raiva ter de dizer que essa obra de arte é uma produção de nossos hermanos.

O filme reúne seis histórias curtas e independeres, que se conectam por tratarem do mesmo assunto, a vingança. Durante duas horas de dez minutos somos levados a nossos limites de tensão com tramas que por vezes são tão exageradas e sínicas que poderiam muito bem ser verdadeiras, da mesma forma que os diálogos são tão bem construídos, tão humanos, bem atuados e dirigidos que tanto assistido na Argentina, Japão ou sudão, é impossível que os sentimentos e atitudes dos personagens presentes nas histórias não transcendam qualquer questão social, religiosa e política e calem fundo no espectador.

Na primeira dessas histórias, que podemos entender como o prólogo de um livro, vemos uma modelo pegando um avião e em uma conversa informal descobrindo que o passageiro ao lado conhece seu ex-namorado, assim como a senhora sentada a sua frente, que foi sua professora e o do acento atrás que foi seu colega de serviço e, no final, descobre-se que todos reunidos nesse voo são conhecidos desse homem que, de tão desprezado, não tem nem ao menos seu rosto revelado na história onde deveria ser o protagonista. Pois esse ninguém, arquitetou um plano de dar fim a todos que o magoaram em sua vida: jogar o avião que pilota (ele é comissário de bordo, e sequestra o avião) sobre a casa de quem mais o frustrou e o exigiu, seus próprios pais! E assim ele faz; dando inicio ao filme de maneira chocante e mostrando a quê veio. Mas não se desespere pelo spoiler (que serão poucos) eu poderia falar tudo sobre esse filme e mesmo assim ao assisti-lo pareceria que ninguém disse nada, pois ele consegue de maneira primorosa, passar uma tensão e suspense que mesmo sabendo o que vai acontecer não se pode deixar de sentir ; a narrativa com a qual o diretor conduz a trama, apresentando uma situação aparentemente corriqueira e que muitos desavisados levarão para outro lado, mas que resultará em um acontecimento terrível e lapidada sutil e pacientemente, utilizando de todos elementos disponíveis para prender quem assiste duro na poltrona, então temos a excelente fotografia e cortes de câmeras e a música, que muda do tom de tranquilidade para de terror e suspense. (muito bom).

Além desse conto inicial, ainda temos "Ratazanas ", onde uma garçonete encontra no trabalho, em uma noite chuvosa e sem nenhum outro cliente, o agiota que destruiu sua família e deve decidir, se segue o conselho da cozinheira e envenena o sujeito, ou baixa sua cabeça para sua consciência e segue sua vida. Também temos a história intitulada "Bombinha", em que um engenheiro (interpretado por Ricardo Darín (se ele não estiver em um filme Argentino é porque não é um filme argentino)), após ter seu carro rebocado duas vezes pelo serviço de trânsito de Buenos Aires e obrigado a arcar com multas que ele não concorda, vê sua vida desmoronar e resolve dar o troco na sociedade. Seguindo as histórias o filme apresenta "A proposta", onde o filho de um casal de milionários, após sair de uma festa, atropela e mata um mulher grávida, fugindo sem prestar socorro, sendo que o pai do jovem chama seu advogado para buscar uma solução antes de a Polícia identifique o condutor, parte daí um plano para retirar a responsabilidade das constas do jovem, onde todos os envolvidos vão se mostrando corruptos e no final temos as consequências. Ainda temos "Até que a morte nos separe", onde durante a festa de casamento, a noiva descobre que seu marido a traia com uma colega de serviço e que a convidou para o evento, despertando na noiva o mais intenso e destrutivo desejo de vingança e demonstração de dúvida quanto a seus caminhos, o que , somado a traição, põe em risco a história do casal, ou não.


No entanto, dentre todas as seis histórias que o filme trás, a que mais gostei foi a intitulada "O mais forte". Nessa história vemos um cidadão transitando por uma estrada deserta com um carro novinho e de repente se vê barrado por um velho carro que segue lentamente a sua frente em zig-zag, incomodado o motorista do carrão ultrapassa o outro pela direita, mas não sem antes, abrir a janela e gritar uns desaforos e dar o dedo do meio ao que ficava para trás. Mas o mundo dá voltas e alguns quilômetros depois do ocorrido, chegando em uma ponte no meio do nada, um dos pneus do carrão fura e ele é alcançado pelo carro velho do motorista desrespeitado, que vai tirar satisfação da maneira mais extrema possível, trincando o para-brisa do carro do inimigo, arrancando o limpador de para-brisa e o retrovisor, e, depois de tudo defecando e urinando em seu capô; mas após completar sua vingança, a vítima se enfurece e quando o agressor entra em seu carro este acelera e atira o carro velho com seu motorista da ponte e foge enquanto seu inimigo sai do meio dos destroços e parte para cima dele. Passam-se poucos metros e o dono do carrão, sabe que mesmo fugindo ele pode ser encontrado, resolve voltar e terminar o serviço matando seu rival, no entanto, nessa tentativa ele acaba caindo no rio também e ficando preso no carro destruído de seu inimigo, é quando esse adentra o carro pelo porta malas com um pé de cabra em mãos, enquanto dentro o outro se prepara segurando um extintor e aí a porrada come solta e depois de muita pancada, o rustico dono do carro velho consegue amarrar o pescoço do adversário com o cinto de segurança e forçando a porta o deixa pendurado pelo pescoço para morrer enforcado e na fuga coloca uma bucha com fogo na boca do tanque de combustível, mas o dono do carrão, mesmo enforcado não se entrega e puxa seu desafeto para dentro do carro e de repente BUMMM!! o carro explode. A cena corta e vemos a perícia no local perplexa com a situação, então um dos responsáveis questiona "Será que foi um crime passional?" então vemos, o corpo dos dois homens abraçados e carbonizados. Ambos preferem perder a vida juntos do que baixar a cabeça e esquecer seu inimigo eventual, acabam mortos muito mais pelo seu próprio orgulho do que pelas mão de seu antagonista.

O Mai forte
Além de um roteiro primoroso e atuações e direção brilhante, o filme ainda conta com uma trilha sonora muito pontual, que vai desde música clássica até o trance (seja lá o que for isso) e que oscila conforme a tensão cresce na trama. O filme também trás uma fotografia maravilhosa e uma palheta de cores que acompanha o clima de cada história, assim como cenários fantásticos e escolhas de narrativa que cabem perfeito para cada história, como o plano sequência na história inicial, ou as cenas picotadas e em câmera lenta no conto do engenheiro bombinha. O que dizer mais? O filme é uma obra prima!

"Relatos selvagens" é um filmaço que merece e deve ser assistido. Uma aula de cinema repleto de tensão, ira e beleza; um resumo de tudo que o áudio-visual pode proporcionar no que se refere a sentimentos ao espectador, um filme que vai além do idioma, da sociedade e situação política de seu país de origem e que deveria servir de exemplo para nossos cineastas que depois de tanto tempo ainda batem nas mesmas teclas com seus filmes sobre favela, ditadura militar e comédias sem graça, temas regionais e curtos que a indústria do maior país da América do Sul já deveria ter transcendido a muito tempo.

O que me faz perguntar: "Por que o cinema brasileiro não consegue se desvincular da situação politico-social do país e entregar produções que conversem com qualquer ser humano?"

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