sexta-feira, 29 de julho de 2016

TROPAS ESTELARES (de Robert A. Heinlein)

Um arrepio percorreu meu corpo e um sorriso surgiu no meu rosto, permanecendo ali por longos minutos enquanto eu olhava fixamente para a capa do livro. Essa frase, que poderia ser o final de um poema ruim, descreve o que senti ao terminar de ler "Tropas Estelares", o clássico livro de Robert A. Heinlein, que graças a editora Aleph, agora enfeita a minha estante em lugar de destaque.

O livro se passa em um futuro não datado porém distante, onde a raça humana superou suas diferenças e passou a colonizar outros planetas, se unindo em uma federação altamente militarizada, onde apenas quem cumpre o serviço militar torna-se um cidadão, podendo assim exercer seu direito a voto e participar da vida política. É nesse ambiente que conhecemos Juan "Johnny" Rico, que após completar dezoito anos, por influência de seu melhor amigo e orgulho frente a seu interesse romântico, decide se alistar no serviço militar e por não ter nenhum talento especial é designado para a infantaria móvel. Durante seu tempo de serviço, a federação "terrana" entra em guerra contra uma raça alienígena conhecida como insetos e esse evento mudará para sempre o destino e ideias do protagonista ao lhe mostrar os horrores da guerra e o valor de seus companheiros de armas.

Como fã de ficção científica, quis ler "Tropas estelares" desde quando era criança, após descobrir que o filme (ruim) de Paul Verhoeven era baseado em um livro e, meu desejo só cresceu com o tempo ao descobrir da influência da obra e do autor, tanto na literatura, quanto no cinema. E não é pra menos, o cara é gênio! Consegue prender a atenção do leitor do início ao fim e transformar em interessante até mesmo a listagem da hierarquia da infantaria móvel, ou como são divididas as tropas durante a guerra e sua forma de transporte.
O livro já começa nos colocando no front de batalha, de uma forma tão ágil e vertiginosa, que dá a sensação que somos soldados inexperientes acompanhando veteranos. Esse simples truque narrativo, de mostrar a ação, para depois contar como se chegou até aquele momento, fato que a industria de cinema utiliza em muitos casos (inclusive no próprio filme baseado no livro), me pegou na hora e em menos de cinco páginas já estava fisgado pela história. O fato dele ser narrado em primeira pessoa, foi outra coisa que colaborou para o livro me agradar desde o inicio, pois deu uma ar de intimidade, de desabafo a história contada. Somos assim todos confidentes das dúvidas, frustrações, medos e expectativas de Juan Rico e vamos aprendendo e crescendo na trama junto com ele.

Ainda sobre a narrativa, temos que destacar que a história do protagonista tem muito da jornada do herói (https://pt.wikipedia.org/wiki/Monomito) mas isso não diminui em nada o gênio do autor, muito pelo contrário, mas podemos resumir a trama da seguinte forma, usando os passos do monomito: Rico começa o livro com sua vida civil (mundo comum), seguindo com a chamada para a aventura feita por seu amigo Carl; onde ele pensa em recusar e seguir a vida de seu pai, mas acaba se alistando para impressionar a "pequena Carmen"; encontra seu mentor primeiramente no professor Dubois e depois no sargento Zim; sofre provações e testes no acampamento Currier; sobrevive a batalha de klendathu; Vê sua tropa se abalar quando o tenente morre, é recompensado por seus esforços quando resolve se inscrever na escola de formação de oficiais, Volta para um teste em campo, onde tem êxito, porém sofre um acidente onde quase morre, mas essa experiência o aprova como oficial e proporciona a ele levar a sabedoria a seus companheiros.

Armadura da animação de 2012
Embora a história contenha a estrutura do monomito, o universo criado por Heinlein e seus conceitos científicos e sociais, são o que mais chamam atenção. As aulas de história e filosofia da moral, que são relembradas pelo protagonista sempre que este se depara com uma situação de conflito pessoal ou é exposto a questões mais profundas, foram para mim o grande ponto profundo do livro; ali se encontram o conteúdo onde a sociedade apresentada se baseia e isso é muito interessante, principalmente porque os debates levantados pelo professor Dubois são extremamente atuais, quando paramos para pensar que o livro foi escrito em 1959. Nesses debates, Rico e seus colegas vão analisando escolhas e princípios da sociedade através do período histórico e assim vamos descobrindo com base em quais visões, aquela sociedade se moldou, então temos a ideia da "violência controlada para alcançar um objetivo", onde é exposto que se o inimigo não pode revidar, o problema está solucionado, somos apresentados a argumentos sobre direito e dever que nos remetem a sociedade atual e também a ideia de castigo físico como corretivo e base da educação, esse último argumento tão bem debatido, que li o capítulo duas vezes e terminei convencido que o professor Dubois não está tão errado (a Xuxa que não me ouça).

Em complemento as questões sociais, Heinlein ainda apresenta alguns conceitos científicos bem bacanas desse futuro e que dão uma ideia mais ampla da sociedade onde a história se passa. Um exemplo desses conceitos são as armas da infantaria móvel, o autor utiliza um capítulo inteiro para descrever como é e funciona a armadura utilizada pelos soldados, indicando com riqueza de detalhes como a tecnologia supriu as necessidades humanas nas batalhas em outros planetas, sem dizer que ele ainda cita a aceleração Cherenkov, como explicação para como a marinha espacial atravessa as grandes distâncias de uma estrela a outra; além disso, Heinlein ainda fala de manipulação genética com a apresentação do grupo K-9, que utilizam duplas de homens e "neo-cães" (uma especie de cão inteligente falante) que é totalmente ligado e dependente de seu parceiro. Durante o livro também somos a presentados a supostas evoluções humanas, na misteriosa menção a "homens sorte", "telepatas" e ao final, na misteriosa presença de um sensitivo, fatos que tornam o universo do livro tão amplo, que parece impossível perceber todos seus detalhes apenas com uma leitura.

Deu Bug
Além de todas as questões abordadas em relação a sociedade, conceitos científicos interessantes e debates instigantes, o livro ainda conta com cenas de ação e batalhas muito empolgantes. Como citei anteriormente, o livro começa nos mergulhando em um conflito, sem explicar quase nada, apenas mostrando como as coisas acontecem em uma batalha naquele universo; conforme vamos lendo o livro e outras batalhas vão sendo descritas, vamos crescendo em experiência juntamente com o protagonista e nos tornando disciplinados na forma de operação da infantaria móvel. Porém, o autor não tenta glamorizar a situação e descreve as consequências da guerra com o mesmo talento utilizado para sustentar a opinião dos professores nas aulas de História e filosofia da moral, de forma direta e crua e assim temos cabeças se soltando do corpo, cães inteligentes que se matam por medo e cidades argentinas esmagadas por alienígenas inimigos, mostrando que a guerra, seja no futuro ou nos dias de hoje, não é algo bonito e celebrável. Além de tudo, o autor ainda consegue diminuir a tenção dos horrores das experiencia de guerra do protagonista utilizando de um senso de humor sutil, abordando muitas dos problemas, principalmente os citados nos treinamento com ironia e até deboche pontual, nos fornecendo momentos de escape que nos transmitem empatia e dão ares de realidade meio a uma história de ficção futurista.

arte clássica
Durante a leitura, a obra ainda me proporcionou uma grande surpresa. Ao postar no twitter que devido ao discurso que falava de mérito e dever em preferência a ideia de direito e oportunidade, eu enxergava os pensamentos do autor como sendo um contraponto as ideias dos personagens de Philip K. Dick, que , no meu entender, sempre criticou a sociedade através de personagens marginalizados e que viviam angustiados buscando seu espaço em uma sociedade que os oprimia. Para minha surpresa, o tradutor de "tropas estelares", Carlos Angelo, respondeu meu questionamento e , através de um discurso tão convincente quanto do professor Dubois, me mostrou que na verdade os personagens de Heinlein tinham tantos dilemas sociais quanto os de Dick, sendo o próprio autor de "O homem do castelo alto" influenciado pela obra e pensamento de Heinlein (não importando a visão política dos dois). Angelo ainda me fez a gentileza de indicar alguns livros para complementar essa visão sobre a obra do autor (que com certeza lerei em breve) e tivemos uma conversa bem bacana sobre o universo do autor (dentro do que 140 carácteres nos permitiram).

O que mais eu poderia falar sobre esse livro, a não ser que ele é uma das melhores obras do gênero que já li?! É um livro escrita com primor e genialidade, misturando com competência ação, debates filosóficos e até crítica social; consegue ser divertido e profundo sem parecer forçado e plantou em mim a vontade de ler tudo que Heinlein escreveu (tanto que já reservei "Um estranho numa terra estranha" para próxima semana). Posso definir minha experiência de leitura dizendo que uma das melhores sensações do mundo é quando desejamos muito uma coisa e quando a temos, ela supera todas nossas expectativas e, foi exatamente isso que senti quando terminei as 364 páginas desse clássico. Tropas estelares é um livro fantástico, cheio de ação e questionamentos que vão te fazer querer reler o livro assim que terminá-lo, um clássico obrigatório para quem é fã de ficção científica e uma possível porta para a literatura para quem quer começar a ler, me apresentou a genialidade de Robert. A Heinlein, autor que pretendo ler toda obra e indicar para todos meus amigos, para honra e glória da infantaria.


quarta-feira, 20 de julho de 2016

O DÉCIMO HOMEM (ou a necessidade do diferente)


  No filme “Guerra mundial Z”, depois que a epidemia zumbi tomou conta do planeta, o protagonista parte para Israel, pois existem indícios de uma resistência naquele local. Chegando , ele descobre que o que salvou as pessoas foi o fato de um indivíduo ter acreditado na possibilidade de um ataque zumbi, por mais improvável que isso fosse; esse sujeito se apresenta como o “décimo homem”, uma figura na administração da informação onde, depois de a mesma ser levada as outras 9 autoridades e refutada, tem como função cogitar que o fato, por mais absurdo ou ignorável, possa ser real.

Fico pensando como um “décimo homem” faz falta nas empresas e mesma em nossa vida social no mundo real. Na sociedade em que vivemos, onde as pessoas se cercam quase exclusivamente por seus iguais, seja física ou ideologicamente, uma opinião diferente passou a ser demonstração de inimizade e, caminhamos a cada momento para vivermos isolados em bolhas sociais onde apenas os privilegiados de nossos grupos de Whatsapp desfrutam de nossa opinião sincera (mas que não fere o grupo, ou FORA!) e assim as pessoas, repetem tanto seus pensamentos sem um contraponto, que nada de novo surge e uma ideia refutável se torna um dogma inquestionável.

Não é diferente nas empresas. As lideranças confiam apenas em pessoas que pensam, se vestem e agem iguais a eles; como se fosse claro que “apenas quem é igual à minha pessoa pode estar certo” e em um mundo cada vez mais competitivo, carente de imaginação e atitudes variadas frente aos problemas diários, temos cinco ou seis pessoas com a mesma história de vida, ideologia, atitude e visão de mundo, criando uma pobreza social tão perigosa quanto uma pobreza genética e colocando a empresa em uma desvantagem competitiva, que muitas vezes só é percebida tarde demais.

A questão é, Estamos caminhando para uma sociedade isolada em bolhas, onde apenas quem pensa e parece igual é aceito em cada uma delas, onde a competição é cada vez menos entre os diferentes e mais entre os certos e os errados, onde as ideias que vão de encontro com as nossas são declarações de guerra e o valor da diversidade, seja de cores, opiniões ou opções vem sendo diminuído por pura preguiça de abraçar o novo, uma sociedade que se esconde atrás de antidepressivos e perfis felizes nas redes sociais para fazer de conta que tudo está ótimo.

Penso que seja o tempo de ouvir a opinião contrária, de questionarmos nossas certezas e dar espaço para o novo, chegou a hora de sermos aquele décimo homem e pensar que talvez, o que parece totalmente refutável, seja uma verdade que possa trazer um benefício potencial, ou caso não, que sirva pelo menos para retirar nosso pensamento do status de dogma. Chegou a hora de mudar, ou seremos arrastados pela multidão para lugar nenhum e sem nenhum pensamento próprio a não ser o instinto de repetir o que nos foi imposto, tal qual um zumbi que apenas se junta aos seus iguais para atacar o que é diferente, mas que sem o diferente anda a esmo ou fica parado sem expectativa nenhuma.




segunda-feira, 18 de julho de 2016

STRANGER THINGS ( 2016) O melhor dos anos oitenta na série do ano.



Ah os anos oitenta !! Moças de permanente no cabelo e calças que iam até o pescoço, rapazes com grandes topetes e roupas muito coloridas, poucos canais de tv, músicas gravadas em fita cassete e filmes que falavam de contato alienígena ou onde monstros bizarros tinham como única pretensão matar os desavisados. Isso foi à mais de trinta anos e vivemos em um mundo diferente hoje, mas confesso que tenho saudade desse tempo onde tudo parecia mais fácil, onde as pessoas conversavam sem olhar toda hora para o celular, onde o refrigerante de um litro do almoço sobrava para a janta e quando os amigos se encontravam sem ter de marcar uma data. Quero dizer, eu tinha saudade, porque desde do dia 15 de Julho, a Netflix abriu um portal que não só matou minha saudade desse tempo, como a arrastou pelos pés e a comeu, trata-se da série "STRANGER THINGS" escrita e dirigida pelos irmãos Duffer e que me pregou no sofá nesse último final de semana.

"STRANGER THINGS" se passa em 1983 e conta a história de uma série de misteriosos acontecimentos na pequena cidade de Hawkins nos EUA, tendo inicio com o desaparecimento de Will Byers, que acontece quando ele volta para casa após um dia com seus três melhores amigos (Lucas, Mike e Dustin), ao mesmo tempo, uma estranha menina surge na cidade, vestindo roupas hospitalares, extremamente assustada e dotada de habilidades especiais, ela irá ajudar o trio de amigos a encontrar o integrante perdido do grupo e a enfrentar a misteriosa criatura, enquanto que uma trama de conspiração e experiencias científicas, vai sendo investigada pelo obstinado xerife da cidade.

Ok! Minha sinopse tá horrível, mas eu queria deixar no clima do que se lia nas contra capas das fitas nas locadoras de vídeo nos anos 80 sem entregar muito da trama. A série é muito bacana! Para entender o nível de qualidade da trama e enredo, ela foi a única produção que aborda um contexto de ficção científica e terror, que minha mulher quis assistir até o final comigo, pode parecer pouco para quem lê isso, mas para quem conhece minha mulher (que odeia ficção científica) isso mostra a qualidade de "Stranger Thing".

Essa qualidade é apresentada de diversas forma, seja na maneira da produção nos colocar dentro dos anos 80, com as roupas, cortes de cabelo, música e etc; seja no ótimo roteiro que vai aos poucos juntando as pontas da trama ou pelas referências que a série joga na nossa cara de cinco em cinco minutos; seja qual o motivo que se preferir, o capricho com que "Strange Things" foi feito não deixa ninguém desistir da gostosa maratona de oito horas para se descobrir o que diabos está acontecendo com a cidade de Hawins e o que aconteceu com Will Byers.

"Stranger Things" me levou direto para os anos oitenta. Para começar, Hawkins é típica cidadezinha americana dos filmes daquela década, cercada de árvores e com poucos habitantes é o lugar perfeito e sinistro, onde o inexplicável acontece e aos poucos vai envolvendo a todos. Suas ruas estão sempre vazias e seus habitantes parecem tão presos em suas rotinas, que ignoram até o fato de existir uma empresa misteriosa próxima a suas residências, não diferente da cidade onde acontece "E.T" de Spielberg ou à do filme "super 8", de J.J Abrans, que homenageia o diretor. O Capricho das locações só fica atrás do figurino. O estilo das roupas e penteados são tão fieis, que me senti assistindo uma filmagem da época, só faltou a dublagem ruim com um eco no fundo. As roupas são exatamente iguais as que eu lembro de minhas primas usarem e o penteado de cabelo da mãe do personagem Mike é igual ao que a minha mãe usava quando eu tinha uns cinco anos, uma imersão total e uma viagem de volta no tempo para quem viveu aquela época.

Além do trabalho de ambientação e figurino, a série ainda trás uma enxurrada de referências sobre os próprios anos oitenta e a cultura POP da época. A série já começa com os quatro amigos jogando uma partida de RPG, o que já mostra de forma pratica e através de ação, como é a relação desses personagens e como eles pensam. Na mesma cena, podemos ver um poster de "Enigma do outro mundo" de John Carpenter e "Tubarão" de Spielberg, dando uma singela dica sobre o estilo de terror e suspense que a série trará.

Não faltam referências a Spielberg e principalmente a "E.T". Os quatro amigos se deslocam com bicicletas do estilo cross, como no filme de 1982, além de Mike possuir uma irmãzinha loira e de chiquinhas no mesmo estilo Drew Barrymore da época. Além disso, no episódio onde eles levam a menina, que atende pelo nome de onze, na escola; os vemos disfarça-la com um vestido e peruca loira e no baú de onde eles pegam essas roupas vemos um chapéu, referência ao disfarce do alienígena no filme de Spilberg.

Muitos outros filmes e figuras dos anos oitenta também são referenciados, como Tom Cruise, que era o frenesi das meninas depois de "Negócio arriscado"; Carl Sagan e a série "cosmos", que são citados pelos amigos quando percebem a situação que estão presenciando, a menção à "Poltergeist" com o monstro rasgando a parede com dificuldade para pegar suas vítimas, e , até um poster de Edgar Alan Poe, que enfeita a parede da sala de aula da irmã do protagonista como um lembrete que se trata de um conto de terror.

No que tange a Trama, achei o enredo bem amarrado e extremamente divertido. Gostei muito do jeito que a série começa, dividida em quatro núcleos; com os meninos procurando o amigo e encontrando a onze, a Mãe e o irmão de Will percebendo os estranhos acontecimentos em sua casa, a irmã de Mike e seu namorado descobrindo da pior forma da existência do monstro e o xerife investigando a misteriosa empresa instalada na cidade. Todos unidos ao final pelos estranho acontecimentos vão aos poucos fazendo que as histórias convirjam para um desfecho comum a todos. A maneira como os acontecimentos sobre-naturais vão sendo revelados também é muito legal, sendo apresentado com flash backs da menina 11, com o auxilio das explicações do professor de ciências dos meninos e de suas analogias nerds com Senhor dos anéis e "Dungeons & Dragons". Gostei também do fato da trama ser enxuta em apenas oito episódios, de forma que não há tempo para barriga ou episódios de enrolação desnecessária, send que as pontas que ficam soltas são propositais servem como deixa para a próxima temporada, onde com certeza saberemos mais sobre as outras dez cobaias dos experimentos, sobre o destino de onze ,do mundo invertido e do monstro.

As atuações são muito bacanas. Começando por Millie Brown, a menina que interpreta a "estranha" Onze, ela rouba a cena com sua expressão, ar de pavor e suas poucas palavras, transmitindo com o olhar a aflição de não saber se expressar e carregar consigo todos os horrores de que foi vítima. Winona Ryder também está muito bem, fazendo o papel de uma mãe desesperada que sabe uma verdade que ninguém mais acredita, mas que nem por isso desiste, fora isso ainda temos as boas interpretações de todo o elenco e a participação de Matthew Modine, como o verdadeiro vilão da trama.

"Corra!"
Por isssssso tuuuudo, acredito que "Stranger Things" foi a boa surpresa do ano. Trouxe todo o clima das produções dos anos oitenta com a qualidade das séries atuais e o selo Netflix de qualidade. Muito mais que um portal para os estranhos anos oitenta, uma história muito bem contada, divertida e assustadora, repleta de referências inteligentes e bem dispostas, boas atuações e um ritmo perfeito. Ficamos (minha mulher e eu) no aguardo da segunda temporada para termos as respostas para as pontas soltas deixadas nessa primeira, enquanto isso, acho que vou fazer uma maratona de filmes de John Carpenter, Steven Spilberg, ler os clássicos do Stephen King e ouvir um pouco de AC/DC, Whitesnake e Van Halen e aproveitar ,nesse meio tempo, tudo que há de melhor dessas coisas estranhas.


sábado, 16 de julho de 2016

NINJAS (CURTA -2010) - Sim! O cinema brasileiro pode.


Já falei aqui da minha experiência ao assistir o filme argentino "Relatos Selvagens" e do questionamento que ficou na minha cabeça de por que no Brasil filme do mesmo quilate não são possíveis. Nosso país parece dar exclusividade a produções que falam de conflito social, comédias românticas e cinebiografias, afastando do cinema o público que procura diversidade de temas e experiências. No entanto, se no cinema Mainstream tudo parece mais do mesmo, as produções independentes representam uma luz no fim do túnel para o cinema nacional e, em resposta a meu próprio questionamento, eu queria falar hoje sobre uma produção nacional que achei espetacular, "NINJAS" dirigida pelo promissor cineasta Dennison Ramalho.


"Ninjas" conta a história de Jailton, um policial novato, que em perseguição a um suspeito pelas vielas de São Paulo acaba matando, por engano, um estudante. Coagido por seu parceiro de viatura, ele ajuda a forjar uma cena onde demonstra agir em legítima defesa responsabilizando a vítima. Após o assassinato, a culpa toma conta de Jailton que passa a ser assombrado pela figura do menino morto, entrando em desespero e tendo ataques de pânico; para cura-lo de seu problema, o comandante de seu batalhão o leva para um tratamento de choque, que trará paz a sua consciência ao mesmo tempo que destruirá sua humanidade.

O filme de vinte e cinco minutos que estreou em 2010, é baseado no conto "O Bom policial" (link do conto na íntegra abaixo), do escritor Marco de Castro. Ex-repórter policial, Marcos de Castro acompanhou a guerra das favelas Paulistas e a rotina da violência nas noites da maior cidade do país quando trabalhava no Diário de São Paulo e resolveu usar sua experiência como inspiração para contos de terror.

O curta, que custou sessenta mil Reais, foi estrelado por Flávio Bauraqui, que recebeu o prêmio de melhor ator no festival de cinema de Gramado, por sua atuação como o inexperiente PM Jailton. A produção foi co-roteirizada e dirigida por Dennison Ramalho, diretor Gaúcho natural de Porto Alegre, que vem se tornando um expoente em produções do gênero de terror no país; antes de "Ninjas", o diretor já havia roteirizado e dirigido o curta "Amor sé de Mãe" em 2003 e escrito o roteiro do filme "Encarnação do Demônio" de José Mojica Marins (o Zé do Caixão), após "Ninjas", o diretor partiu para um mestrado sobre roteiro e direção na universidade de Nova York buscando o conhecimento para, quem sabe em breve, apresentar produções do mesmo nível, ou melhores, que o seu filme de 2010.

"Ninjas" é um exemplo de que as produções nacionais podem sim possuir a mesma qualidade das tão badaladas produções estrangeiras, assim como deixa claro que nosso cinema não precisa trilhar sempre o mesmo caminho e abordar temas considerados batidos mas sem, no entanto, perder sua alma. Basta agora que a industria mainstream perceba o potencial de produções como esta e as financiem a iniciativa de modo a tornar, futuramente, o cinema brasileiro uma indústria rentável e auto-suficiente. Enquanto esse dia não chega, só nos resta prestigiar as produções independentes e torcer para que diretores como Dennison Ramalho sigam apresentando filmes de qualidade e pensando fora da caixa para nos entregar filmes que falem com todos os públicos, mas sem perder o jeitinho e a cara do cinema brasileiro.


"UM BOM POLICIAL" – Conto completo publicado na revista Vice:


" NINJAS" – Curta completo disponível no Vimeo:


quinta-feira, 14 de julho de 2016

RIVER (série 2015)

Feliz e triste, empolgado e deprê. Essa mistura estranha foi o que senti quando acabei de assistir “River”, uma produção da BBC, estrelada pelo ator sueco Stellan Skargard, criada e escrita por Abi Morgan e dirigida por Richard Laxton, que comecei a assistir sem pretensão nenhuma na Netflix e que me ganhou nos primeiros quinze minutos do episódio piloto.

"River” conta a história de John River (Skargard), um detetive de Londres que lutará para solucionar o assassinato de sua parceira Jakie Stevenson (Nicola Walker), mesmo afastado do caso devido a seu envolvimento pessoal e assombrado pelo fantasma da amiga morta. Essa investigação o levará aos poucos a enfrentar seus problemas pessoais e questionar sua sanidade, colocando sua carreira em risco e o confrontando com verdades esmagadoras.



Conhecia a série seguindo as ótimas dicas do podcast Mamilos e, como citei acima, comecei a assistir sem nenhuma pretensão, mas em menos da metade do primeiro episódio eu já estava rendido ao que a trama me mostrava, começando pela atuação brilhante de Stellan Skargard. O ator sueco está muito bem na produção, transmitindo seriedade, medo, fragilidade, fúria e dúvida; e o mais bacana é que muito do que ele passa para o espectador não é expresso por palavras, mas através do olhar ou de seus movimentos e até de sorrisos; confesso que sempre que ele tinha um dialogo eventual com a “fantasma” de sua colega que terminava em uma boa risada eu os seguia e me via rindo feito bobo na frente do computador.

Essa química entre o protagonista e sua parceira e a atuação de Nicola Walker como a falecida, mas sempre presente Jakie Stevenson foram outros pontos fortes da série. Nicola parece iluminar o ambiente quando sempre que presente, munida apenas de seu sorriso largo, grande olhos verdes e muito bom humor; confesso que foi a cena onde ela provoca o protagonista no episódio piloto cantando o clássico de Tina Charles “I love to love”, que me cativou para ver a série toda em uma maratona.

Além das atuações, a série ainda tem a maravilhosa trilha sonora que traz uma mistura de nostalgia e empolgação utilizando pontualmente hits da era disco como a já citada “I love to love” e clássicos da soul music como “Sunny” cantada por Bobby Hebb. Temos também a apresentação de uma sociedade londrina moderna e representativa, onde a capitã da polícia é uma mulher forte, porém com problemas com seus filhos e marido, mas sem perder sua feminilidade; o novo parceiro de River, Ira King é filho de imigrantes do oriente médio e toda trama de fundo toca no assunto de imigração e busca por condições melhores de vida, o que achei que deu um ar de realidade moderna a série.

Sobre a história, não vou revelar nada sobre a trama central da série, pois se eu contar tudo se perde, mas posso dizer que as revelações finais sobre o que levou a detetive Stevenson à morte são esmagadoras e a identidade do assassino e o motivo dá um amargo na boca. Mas durante as investigações da morte de sua parceira, River ainda segue trabalhando e resolvendo casos paralelos e estes são bem bacanas, como o suposto assassinato de uma menina por seu namorado e a tentativa de suicídio de um empreiteiro no local de trabalho. Junto a isso ainda temos as reveladoras sessões de análise que o protagonista é forçado a comparecer e que vão nos apresentando o perfil do personagem, sua origem e crenças sem que seja necessário algum artifício como narração em off ou explicação pelos olhos de uma terceira pessoa, o que é revelador para saber o porquê do personagem ser do jeito que é, principalmente nos episódios finais.


River é uma excelente série e está ali na Netflix a pleno alcance dos dedos e fechadinha em apenas seis episódios. Me proporcionou muitas horas de diversão, suprindo minha carência de Game of thrones e me tornou fã do ator Stellan Skargard. Brilhante em roteiro, embora não seja inovador; policial investigativa que prioriza a inteligência dos personagens em relação a violência e apresenta uma visão cosmopolita e realista da sociedade. Torço para que mais dessas produções cheguem até nós, mas enquanto não chegam, vou ficar por aqui curtindo esse mix de sentimentos que a série me proporcionou e cantando “I love to love”.

terça-feira, 5 de julho de 2016

RELATOS SELVAGENS (2014)

"Por que o cinema brasileiro não consegue se desvincular da situação politico-social do país e entregar produções que conversem com qualquer ser humano?", Essa foi a pergunta que minha mente repetia em looping ontem ao assistir "Relatos selvagens", brilhante filme argentino de 2014, dirigido por Damián Szifron e estrelado por um grande elenco, que foge a tudo que o nosso cinema tupiniquim vem apresentado desde sempre e é tão bom, que dá raiva ter de dizer que essa obra de arte é uma produção de nossos hermanos.

O filme reúne seis histórias curtas e independeres, que se conectam por tratarem do mesmo assunto, a vingança. Durante duas horas de dez minutos somos levados a nossos limites de tensão com tramas que por vezes são tão exageradas e sínicas que poderiam muito bem ser verdadeiras, da mesma forma que os diálogos são tão bem construídos, tão humanos, bem atuados e dirigidos que tanto assistido na Argentina, Japão ou sudão, é impossível que os sentimentos e atitudes dos personagens presentes nas histórias não transcendam qualquer questão social, religiosa e política e calem fundo no espectador.

Na primeira dessas histórias, que podemos entender como o prólogo de um livro, vemos uma modelo pegando um avião e em uma conversa informal descobrindo que o passageiro ao lado conhece seu ex-namorado, assim como a senhora sentada a sua frente, que foi sua professora e o do acento atrás que foi seu colega de serviço e, no final, descobre-se que todos reunidos nesse voo são conhecidos desse homem que, de tão desprezado, não tem nem ao menos seu rosto revelado na história onde deveria ser o protagonista. Pois esse ninguém, arquitetou um plano de dar fim a todos que o magoaram em sua vida: jogar o avião que pilota (ele é comissário de bordo, e sequestra o avião) sobre a casa de quem mais o frustrou e o exigiu, seus próprios pais! E assim ele faz; dando inicio ao filme de maneira chocante e mostrando a quê veio. Mas não se desespere pelo spoiler (que serão poucos) eu poderia falar tudo sobre esse filme e mesmo assim ao assisti-lo pareceria que ninguém disse nada, pois ele consegue de maneira primorosa, passar uma tensão e suspense que mesmo sabendo o que vai acontecer não se pode deixar de sentir ; a narrativa com a qual o diretor conduz a trama, apresentando uma situação aparentemente corriqueira e que muitos desavisados levarão para outro lado, mas que resultará em um acontecimento terrível e lapidada sutil e pacientemente, utilizando de todos elementos disponíveis para prender quem assiste duro na poltrona, então temos a excelente fotografia e cortes de câmeras e a música, que muda do tom de tranquilidade para de terror e suspense. (muito bom).

Além desse conto inicial, ainda temos "Ratazanas ", onde uma garçonete encontra no trabalho, em uma noite chuvosa e sem nenhum outro cliente, o agiota que destruiu sua família e deve decidir, se segue o conselho da cozinheira e envenena o sujeito, ou baixa sua cabeça para sua consciência e segue sua vida. Também temos a história intitulada "Bombinha", em que um engenheiro (interpretado por Ricardo Darín (se ele não estiver em um filme Argentino é porque não é um filme argentino)), após ter seu carro rebocado duas vezes pelo serviço de trânsito de Buenos Aires e obrigado a arcar com multas que ele não concorda, vê sua vida desmoronar e resolve dar o troco na sociedade. Seguindo as histórias o filme apresenta "A proposta", onde o filho de um casal de milionários, após sair de uma festa, atropela e mata um mulher grávida, fugindo sem prestar socorro, sendo que o pai do jovem chama seu advogado para buscar uma solução antes de a Polícia identifique o condutor, parte daí um plano para retirar a responsabilidade das constas do jovem, onde todos os envolvidos vão se mostrando corruptos e no final temos as consequências. Ainda temos "Até que a morte nos separe", onde durante a festa de casamento, a noiva descobre que seu marido a traia com uma colega de serviço e que a convidou para o evento, despertando na noiva o mais intenso e destrutivo desejo de vingança e demonstração de dúvida quanto a seus caminhos, o que , somado a traição, põe em risco a história do casal, ou não.


No entanto, dentre todas as seis histórias que o filme trás, a que mais gostei foi a intitulada "O mais forte". Nessa história vemos um cidadão transitando por uma estrada deserta com um carro novinho e de repente se vê barrado por um velho carro que segue lentamente a sua frente em zig-zag, incomodado o motorista do carrão ultrapassa o outro pela direita, mas não sem antes, abrir a janela e gritar uns desaforos e dar o dedo do meio ao que ficava para trás. Mas o mundo dá voltas e alguns quilômetros depois do ocorrido, chegando em uma ponte no meio do nada, um dos pneus do carrão fura e ele é alcançado pelo carro velho do motorista desrespeitado, que vai tirar satisfação da maneira mais extrema possível, trincando o para-brisa do carro do inimigo, arrancando o limpador de para-brisa e o retrovisor, e, depois de tudo defecando e urinando em seu capô; mas após completar sua vingança, a vítima se enfurece e quando o agressor entra em seu carro este acelera e atira o carro velho com seu motorista da ponte e foge enquanto seu inimigo sai do meio dos destroços e parte para cima dele. Passam-se poucos metros e o dono do carrão, sabe que mesmo fugindo ele pode ser encontrado, resolve voltar e terminar o serviço matando seu rival, no entanto, nessa tentativa ele acaba caindo no rio também e ficando preso no carro destruído de seu inimigo, é quando esse adentra o carro pelo porta malas com um pé de cabra em mãos, enquanto dentro o outro se prepara segurando um extintor e aí a porrada come solta e depois de muita pancada, o rustico dono do carro velho consegue amarrar o pescoço do adversário com o cinto de segurança e forçando a porta o deixa pendurado pelo pescoço para morrer enforcado e na fuga coloca uma bucha com fogo na boca do tanque de combustível, mas o dono do carrão, mesmo enforcado não se entrega e puxa seu desafeto para dentro do carro e de repente BUMMM!! o carro explode. A cena corta e vemos a perícia no local perplexa com a situação, então um dos responsáveis questiona "Será que foi um crime passional?" então vemos, o corpo dos dois homens abraçados e carbonizados. Ambos preferem perder a vida juntos do que baixar a cabeça e esquecer seu inimigo eventual, acabam mortos muito mais pelo seu próprio orgulho do que pelas mão de seu antagonista.

O Mai forte
Além de um roteiro primoroso e atuações e direção brilhante, o filme ainda conta com uma trilha sonora muito pontual, que vai desde música clássica até o trance (seja lá o que for isso) e que oscila conforme a tensão cresce na trama. O filme também trás uma fotografia maravilhosa e uma palheta de cores que acompanha o clima de cada história, assim como cenários fantásticos e escolhas de narrativa que cabem perfeito para cada história, como o plano sequência na história inicial, ou as cenas picotadas e em câmera lenta no conto do engenheiro bombinha. O que dizer mais? O filme é uma obra prima!

"Relatos selvagens" é um filmaço que merece e deve ser assistido. Uma aula de cinema repleto de tensão, ira e beleza; um resumo de tudo que o áudio-visual pode proporcionar no que se refere a sentimentos ao espectador, um filme que vai além do idioma, da sociedade e situação política de seu país de origem e que deveria servir de exemplo para nossos cineastas que depois de tanto tempo ainda batem nas mesmas teclas com seus filmes sobre favela, ditadura militar e comédias sem graça, temas regionais e curtos que a indústria do maior país da América do Sul já deveria ter transcendido a muito tempo.

O que me faz perguntar: "Por que o cinema brasileiro não consegue se desvincular da situação politico-social do país e entregar produções que conversem com qualquer ser humano?"