terça-feira, 24 de maio de 2016

A BRUXA (2016)

 Nova Inglaterra, Estados Unidos, século XVII. Diante do conselho de uma vila de colonos, Willian, o chefe da família, justifica sua decisão de partir com os seus para fora dos muros. Questionado pelos lideres da comunidade, ele diz que o lugar que escolheram como lar não tem a pureza que deve refletir a palavra de Deus e por isso deve procurar um lugar longe do pecado. Assim, acompanhado de sua mulher Katerine e de seus filhos, Thomasin uma menina entrando na puberdade, Caleb, o segundo mais velho, o casal de gêmeos Mercy e Jonas, e o bebê Samuel, partem em direção a floresta, procurando um lugar para recomeçarem suas vidas de acordo com seus princípios. Esses são os primeiros minutos de um dos melhores filmes que assisti esse ano, “A bruxa”, filme produzido em parceria EUA/Inglaterra/Canadá, escrito e dirigido por Robert Eggers e que estreou como uma bela surpresa em circuito fechado no ano passado e desde então, vem arrecadando fãs e colecionando criticas positivas por onde foi exibido, até mesmo de grupos satânicos nos Estados Unidos.

A trama do filme é a seguinte. Depois de sair da vila de colonos, a família de Willian encontra uma clareira próxima a uma grande floresta, o tempo passa e os vemos instalados em uma pequena fazenda, onde plantam milho, possuem um cavalo, algumas galinhas, uma cabra e um bode negro que os gêmeos batizaram de Black Phillip. Tudo vai como Deus manda (para não perder a vibe do filme), até que em certo dia o pequeno Samuel some misteriosamente enquanto Thomasin tomava conta dele, abalando a fé da família e jogando os seis membros remanescentes em uma espiral de terror e loucura, que vai da paranoia ao flerte com o sobre natural.

O filme é muito legal. Não entrega nada de cara, mas não faz questão de esconder o que se propõem e, mais importante, não deixa aquele “será?” no final, que por vezes é tão frustrante em filmes que envolvem suspense. Mas até chegarmos ao ápice da história, muita coisa acontece no melhor estilo de conto de terror de primeira, funcionando de forma genial, graças a narrativa adotada e ao ritmo que o filme mantém, dando o tom certo de tensão que prende qualquer um na cadeira. Tudo isso ainda é costurado por uma trilha sonora esquisita e sinistra que por vezes sobe de forma que causa um arrepio na coluna de quem está vidrado na história e atuações hipnotizantes (principalmente das crianças), fruto da boa escolha dos atores e da ótima direção.

Mas o que talvez seja o diferencial para que “A bruxa” seja um filme marcante, são os símbolos utilizados dentro da história e que conversam tanto que questões religiosas, como a ideia dos pecados e mandamentos, como com nossas mais tenras lembranças infantis de forma sutil e terrível. O primeiro grande símbolo que remete a infância é a Bruxa (lógico), ela é presente o tempo todo, embora não sejamos apresentados aos seus motivos ou forma exata e isso nos coloca na mesma posição das crianças que são aterrorizadas por sua presença e o diretor ainda fez questão de anexar à imagem da bruxa, símbolos populares do personagem, como vassoura voadora, caldeirão e a busca pela juventude, que é obtida de um jeito traumático que embora seja apenas referenciado mas não mostrado, causa um amargo na boca, tudo isso sem infantilizar ou arrastar a trama para o trash, pelo contrário, sem esses eventos sobrenaturais o filme passaria fácil por um drama de época (e dos bons!).Outros símbolos que remetem à infância são os que tangem aos contos de fadas. Quando Thomassin e Caleb resolvem partir para a colônia sozinhos, temos João e Maria perdidos na floresta e Caleb acaba pego pela Bruxa, que tal qual o conto “Chapeuzinho vermelho” aparece coberta com uma capa cor de sangue saindo de uma casa entre as árvores, Seguindo essas referências, temos por fim a ideia que o bebê Samuel foi pego por um lobo, fazendo-se menção a esse animal que está presente em quase todos contos infantis.

Thomasin
No tocante a religião, os pecados e os mandamentos são os itens que chamaram a minha atenção no filme. Já na primeira cena somos apresentados a uma demonstração de orgulho por parte de Willian, que despreza o apelo de seus companheiros e parte sozinho rumo ao futuro incerto. Após Samuel desaparecer, o único sentimento que a mãe passa a nutrir por Thomasin é ira, tanto que ela pede ao marido para que a filha seja entregue a outra família e tenta matar a menina mais tarde. Há também a quebra dos mandamentos, onde vemos Willian roubar uma taça de prata, presente do pai da esposa, para trocá-la na cidade por armadilhas de caça e depois aceitar que o filho Caleb minta para a mãe sobre o que estava acontecendo, sem contar que Caleb ainda demonstra através de um olhar e outro, mostrado muito bem pelo diretor, uma espécie de desejo pela irmã.
Somado a isso tudo, ainda temos a presença do Bode negro, símbolo máximo da magia negra e bruxaria. O bode se apresenta nos momentos de caos e confusão, quando parece que nada mais pode dar errado lá está Black Phillip e o que esse bicho apresenta no final vai colocar um sorriso no rosto de todos, logo após te dar um belo susto, com certeza o melhor ator do longa.

O bacana é como o enredo faz todos esses pecados e problemas girarem ao redor de Thomasin. Por ser a pessoa mais questionadora e de visão menos dependente, tudo acaba partindo de suas decisões ou de sua simples presença e no final parece que tudo era um grande plano. É Thomasin que está por perto quando o bebê some, como se a estivessem observando; É ela que está acompanhando Caleb quando o menino se perde e, que é colocada de castigo com os gêmeos quando a bruxa vem pegá-los, ou quando Black Phillip ataca seu pai. Tudo gira em torno da menina, mas é apresentado de forma tão sutil, que embora ela seja a protagonista, acabamos sem compreender se ela é vítima ou algoz da própria família, apesar de sua decisão final.

“A Bruxa” é um filmaço! Tenso e denso, bem dirigido e com atuações dignas de prêmios (O que é aquele moleque Caleb se fazendo de moribundo ou os gêmeos do capiroto??!!), consegue ser sucinto (tem apenas uma hora e meias) sem ser curto. A fotografia é lindíssima e o figurino não deixa nada a desejar para dramas de época e o roteiro e a trama então são de primeira, uma bela dica para um domingo chuvoso de inverno.



 OBS: Não deem ouvidos para o que o bode fala.

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