quarta-feira, 20 de abril de 2016

O CANTO DA SEREIA (A série x O livro)

A rede Plim-plim vem fuzilando seus telespectadores com todo tipo de produção para tentar voltar a ser a primeira e principal opção de entretenimento do país. De tanto em tanto tempo somos apresentados a novos programas de "humor" (com muitas aspas), dia-a-dia das celebridades, remakes de novelas que marcaram época, Realitys e mini-séries. Quase todos esses projetos são esquecíveis, quando não ignorados durante a própria apresentação, no entanto, por vezes a emissora acerta no ponto oferecendo diversão, qualidade e originalidade, surpreendendo muita gente e deixando quem assiste com um gostinho de quero mais. Um desses casos foi a mini-série "O canto da Sereia", exibida em 2013 sob a direção de José Luiz Villamarim, estrelada por Ísis Valverde e Marcos Palmeira e baseada no livro homônimo de Nelson Motta, que me senti obrigado a ler após assistir a série e que me fez mergulhar novamente naquele universo.

O que acontece?

Carnaval, Salvador. A estrela do momento, Sereia, sacode as ruas da capital baiana do alto de seu trio-elétrico, disfarçado como convidado junto à banda que a acompanha, Augustão Matoso chefe de segurança do Trio a acompanha de perto, uma forte chuva cai e refresca os foliões que se encontram em êxtase, no auge da festa, em meio a raios e trovões, uma bala corta o ar e acerta o coração da cantora, transformando o dia da maior festa popular do Brasil em uma data de luto e ecoando por toda Bahia com a pergunta: Quem matou sereia?

O mote da história é bem simples e remete as histórias de detetives. Ocorre o assassinato e o chefe da segurança da cantora, Agostinho Matoso, vulgo Augustão (interpretado por Marcos Palmeira na série), contratado pela empresária da Cantora (Mara Moreira, vivida por Camila Morgado) começa a investigar o caso em buscas de respostas e atrás de uma misteriosa agenda que suspeitam conter uma série de segredos capazes de comprometer figuras relevantes da sociedade baiana. Durante as investigações Augustão vai formando um perfil de quem realmente é a cantora através do testemunho de quem a cercava e da descoberta de segredos que vão se revelando dos lugares menos imaginados, apresentando não só a verdade por trás do assassinato ou da personalidade da vítima, mas também os segredos e maquinações da industria música responsáveis pela criação de uma pop star.

O que tem de bom?

A série me pegou desde o início pelo tema e originalidade na TV aberta. Sou uma dessas pessoas que se cansou do "cine favela" que o cinema brasileiro se transformou depois do sucesso de "cidade de Deus" e que não suporta mais releituras de fatos históricos, então qualquer coisa que fuja desses dois temas já ganha pontos comigo e uma história de detetive, que busque ser realista sem ser chocante demais e não abraça com força os clichês, me pareceu tão original que me prendeu na cadeira aguardando que cada segredo fosse desvendado.
capa do livro
Como eu disse, a trama é simples, mas a construção de como ela é desenvolvida é o ponto alto. No melhor estilo Alan More somos apresentados a vítima que faz a ação correr através de flashbacks narrados por quem fazia parte de sua vida e assim temos uma ideia de sua sensualidade através do depoimento de seu ex-namorado Paulinho de Jesus, do poder de sua sensualidade e carisma pela boca de seu maior fã conhecido como "Só love", de sua frieza e temperamento pela boca de Mara Moreira, de sua ambição através de seu marqueteiro Tuta Tavares e de suas tristezas e dores pela boca de sua mãe de santo Marina de Oxum. Esses depoimentos pontos de vista são entrecortados pelas investigações e o cotidiano de Augustão, onde somos apresentados a vielas e mercados da Bahia, pontos turísticos e ruas simples que vão desenhando tanto as características da cidade de Salvador, como o ambiente que proporciona aos personagens serem o que são.

No tocante a ser o que se é, Augustão, personagem de Marcos Palmeira se apresenta como um protagonista para se guardar na memória. É um herói moderno e portanto está longe da perfeição, muito pelo contrário sua tendencia a pequenas falhas dão a ele um ar verossímil, se acredita que seu modo de ação seja a tentativa e erro, muito mais como um repórter xereta (como ele é no livro) do que como um investigador particular no pior estilo dos filmes ingleses; tanto que gostei mais do personagem da série, que era menos forçado e mais simpático do que o do livro, que apesar de estar no meio de tudo e conhecer a todos não convence cem por cento. O mesmo ocorre com a própria sereia, que na série é interpretada por Isis Valverde e que dá um show de sensualidade e carisma. Enquanto no livro a personagem parece uma boneca moldada pelo marketing e publicidade, que tem seus mistérios revelados até um limite, mas que por vezes lembra só alguém desequilibrado, na série ela me pareceu mais dona de si e focada em seus objetivos e por vezes tendendo à autodestruição como uma estrela do rock das antigas, personalidade que nos faz acreditar no carinho de seu fã clube e impacto que sua morte causa no país.


O que difere o livro da série?

Falando em diferenças entre o livro e a série, existem algumas que no livro são melhores e outras que na série são superiores. O fato de Algustão ser solteiro e sem filhos na série torna a trama mais ágil para ele, no livro ele tem um casamento fracassado e é pai de duas filhas, só que tanto sua mulher como suas filhas passam o livro todo no Rio de Janeiro, sendo apenas mencionadas (e o livro se passa no carnaval...meio caro ir para o Rio e depois voltar para Salvador) qual a utilidade delas então? Por outro lado, o livro trás um Augustão que além de tudo é repórter e escreve pequenos artigos com um pseudônimo se dizendo correspondente nordestino, que na verdade são engraçadas ou violentas Fanfics baseadas nos casos que ele desvenda como bico e essa veia jornalística explica muito mais da personalidade do personagem do que um desejo obsessivo de procurar a verdade, mas não a revelar, assim como esclarece seus contatos na busca de informações sigilosas da polícia e envolvidos.
Augustão
Outra diferença é a relevância de mãe Marina de Oxun. Entre o livro e a série existe muita diferença nesse personagem, para começar pela etnia, pois enquanto na série a personagem é branca (representada por Fabiula Nascimento), no Livro ela é descrita como uma negra da cor da noite, o que faz muito mais sentido por se tratar de uma mãe de santo baiana. Outra diferença é sua personalidade, que no livro é muito mais sublime e decidida, ignorando mesmo a traição de Sereia com seu Marido e se colocando acima de muitas questões mundanas, embora se revele uma mulher normal e comum fadada a paixões e ao amor nos capítulos finais, o que na série fica muito aquém com seu amargor transbordando através de olhares lacrimejosos, dúvidas confessadas a suas ajudantes e o medo que o romance com Paulinho de Jesus trás no final.

Spoiler
A maior diferença que existe entre a série e o Livro é o assassino. O que é notados por quem conhece as duas mídias da obra, pois o assassino do livro não está na série e vice-versa e tenho que dizer que o assassino da série é bem mais crível que o do livro. Na série o assassino é o fã numero um de Sereia, conhecido como "Só love" e seu motivo é justamente esse amor que ele tanto ostenta, sabe-se depois pela boca do próprio personagem e se confirma através e laudos médicos, que Sereia estava em fase terminal de câncer no cérebro e pediu para que "Só Love" dar fim a seu sofrimento de forma inesperada e secreta, para que não visse ela morrer sofrendo em uma cama de hospital e vítima da piedade e boa vontade dos outros. Já no livro, que aperta o gatilho que da fim a seu sofrimento é um amigo de Paulinho de Jesus e que, fugindo da cadeia, se abriga no terreiro de mãe Marina, mudando de nome e de vida, passando a ser uma especie de faz tudo e filho de santo da mesma e, que ao ajudar a personagem tema acaba por contar seu passado e se compromete a ajuda-la para não a ver sofrer, o que não faz muito sentido pelo caminho que o mesmo resolve tomar quando se abriga no terreiro e como o autor o descreve, sendo alguém que realmente resolveu mudar.


No entanto, nenhuma das diferenças entre a Série e o livro diminuem um ao outro, apenas dão visões diferentes da mesma história e mais possibilidades de diversão e finais alternativos. Ambas as obras existem e são competentes no que se propõem sem precisar se apoiar uma na outra e esse é o grane mérito das duas, tanto a série quanto livro são duas grandes obras, divertidas e originais que valem a pena ser visitadas, uma viagem as ruelas antigas de salvador e ao mundo da industria musical brasileira, com aquele charme de caso de detetives noir, matéria jornalística e tempero Baiano.
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