quinta-feira, 24 de março de 2016

DOPE (2015)

Eu sou negro. E como negro, sempre senti falta de filmes que me representassem de forma descente. Quando digo isso, não estou falando de filmes que façam um estudo cinematográfico, mostrando as dificuldades do negro, sua cultura e contribuição social; quando falo sobre representatividade, digo que quero ver filmes onde o negro, assim como o branco, a mulher, o gay e todo mundo, seja retratado e aprofundado como pessoa, tendo suas características inatas presentes para explorar melhor suas atitudes e escolhas, mas como um plano de fundo que influencia na vida dos personagens sem os paralisar, não os definindo como um todo, mas pelo contrário enriquecendo sua individualidade. Passei vendo todo tipo de filme e nunca tinha encontrado um onde eu pudesse dizer que me via presente ali naquele tempo em que a história se desenrolava, até que assisti a "DOPE", filme de 2015 escrito e dirigido por Rick Famuyiwa e pude dizer com um sorriso no rosto : Agora sim!

Dope é um filme de formação. Conta a história de Malcolm, um geek, filho de mãe solteira que vive em um bairro da periferia apelidado de "buraco". Malcolm e seus dois amigos, Jib e Dig são fãs de rap dos anos noventa e consomem essa cultura de todas as formas possíveis chegando a utilizar suas gírias, roupas e cortes de cabelo, eles possuem uma banda que definem como punk e como bons geeks do ensino médio, pertencem ao grupo de estudantes que são ignorados por todos e sofrem com a perseguição dos valentões e membros de gangues. Suas vidas seguem uma rotina relativamente comum para o caminho que opiaram por seguir, até o dia em que um traficante local pede que Malcolm leve um recado a uma garota do bairro a convidando para uma festa que ele dará em um club, e , a garota aceita com a condição de que ele também vá. A partir dessa noite, Malcolm e seus amigos irão descobrir mais sobre o mundo das drogas e quem está por trás das gangues de rua, abrirão uma loja virtual, se questionarão sobre o limite da virgindade, farão sucesso no youtube, participarão da feira de ciência do google, aprenderão qual a diferença entre uma bolsa verdadeira e outra falsa e entenderão como funciona a transação financeira através de Bitcoins.

Dope é um filmaço! Se eu pudesse defini-lo com uma única palavra seria desconstrução. Desde o início o filme desconstrói todo esteriótipo que Hollywood se esforçou tanto para impor às pessoas que não seguem o padrão por ela ditado, e, isso fica claro já pela forma que os protagonistas se apresentam, Um negro, uma lésbica e um Indiano (ou latino,ou 14% negro), geeks da periferia que gostam de "coisas de branco", como skate, pensar em ir para faculdade e rock, que se vestem e falam como se fossem rapers dos anos noventa, mostrando que estão desde seu estilo fora do ambiente que os cerca; ambiente este que aos poucos também é desconstruindo ao nos apresentar personagens periféricos que, embora estejam absorvidos pelo que a sociedade esperou deles, não se mostram como esteriótipos totais, nos proporcionando diálogo engraçadíssimos repletos de referências pop e inteligência, ou seja, um filme que trata as pessoas como pessoas, independente de onde nasceram e o que em um primeiro olhar se espera delas e isso é maravilhoso.
Jib, Dig e Malcolm

O roteiro é bem redondo, não deixando barrigas ou elementos que sejam desnecessários. Situações como a conversa que o protagonista tem com sua mãe vai fazer sentido lá no final quando o seu plano é revelado ao antagonista que se apresenta; assim como a bronca que o diretor da escola dá em Malcolm por ele escrever uma redação, em sua concepção, arrogante e pouco pessoal, é destruída quando o protagonista resolve seguir esse conselho escrevendo algo mais íntimo e te dá um tapa na cara. A estética do filme é bem bacana, misturando temas meio retrô como a cultura Rap dos anos 90 a Gangues no estilo GTA San Andreas e cultura pop moderna como videos do Youtube, citações a Steve Jobs ,rastreamento de i-phones e hakers anarquistas; temos ainda, complementando a trama, pequenas homenagens a "vivendo a vida adoidado", pelo fato de o protagonista, no final, quebrar a quarta parede e pelo filme se tratar de uma aventura de três amigos adolescentes que acaba mudando suas vidas, mas com muito mais alcance social e realismo. Para fechar ainda tem a trilha sonora que é de mais! Com música escolhidas a dedo pelo Rapper Pharrell Williams, com temas que vão do rap do anos 90 ao Rock progressivo da banda punk "Awreeoh" do protagonista e seus amigos, passando por hip hop indie e clássico. Sonzeira de primeira que é pontual nas situações e te faz ficar cantarolando por dias!

Malcolm e sua banda
Como eu já disse, Dope é um filmaço ! Deve ser assistido por todos, independente de etnia ou cultura. É um filme engraçado, inteligente e com uma pegada social que não transforma ninguém em coitadinho e não tenta chocar com a violência, muito pelo contrário coloca as pessoas no contexto individual, mostrando origens e cultura em segundo plano e focando nas opções e escolhas que cada um toma. Me fez lembrar que quando os indicados ao Oscar 2016 foram divulgados, surgiu o fato de não existirem negros entre as indicações, fato que levantou a polêmica sobre a representatividade e fez com que alguma das pessoas envolvidas com a industria de cinema americano boicotassem o prêmio, vi muito absurdo criticando o fato de alguns falarem sobre possíveis cotas para filmes com representatividade, mas também vi o vídeo do talkshow "Last Week Tonigth" com John Oliver na HBO que deixa claro que antes de cotas o que se precisa é de espaço verdadeiro e que a industria pare de enxergar filmes como DOPE como produtos de nicho, feitos para um único segmento e com isso eu concordo plenamente, pois esse filme merecia estar entre os indicados (quem sabe no lugar de "perdido em marte" aquela coisa chata?!). Por isso eu digo, assista a DOPE e abra sua mente para as diferenças, ria e entenda que cada pessoa é única, por mais que cor, religião e cultura pareçam as agrupar e , assim como eu, sinta-se representado no cinema.


sexta-feira, 18 de março de 2016

LADY SNOWBLOOD (1973)



Japão, 1874, o ano 7 da Era Meiji. Inspirado pelos progressos europeus, o país passa por fortes transformações, os samurais estão sendo extintos e costumes ocidentais começam a ser absorvidos; é nesse cenário, onde entre o período de tempo de atuação de Kenshin batosai, o samurai X e luta de Tom Cruise em "O último Samurai", em uma prisão de Tóqui, nasce uma menina, uma criança do submundo, fadada a saciar a sede de vingança de sua mãe e inspirar Quentin Tarantino em seus filmes, seu nome é Yuki, mas todos a conhecem como Lady snowblood.

Dirigido por Toshyia Fujita, baseado no mangá Homônimo de Kazuo Koike e estrelado por Meiko Kaji, o filme foi lançado no Japão em 1973 e conta a história de Yuki ( Ah vá!), que é concebida como a personificação do desejo de vingança de sua mãe, que anos antes tem a vida destruída quando o marido é enviado como professor para um remoto vilarejo e lá um grupo de quatro golpistas cobram proteção ao espalhar entre os agricultores que homens de branco vagam pelo Japão alistando à força no exército os filhos das famílias de lavradores, dotado do maior azar do mundo, o marido de Kashima Sayo ( a mãe de Yuki) se depara com o grupo quando está chegando no vilarejo e trajando um indefectível terno branco acaba sendo assassinado sumariamente juntamente com seu filho, para que o bando de golpistas demonstre a eficácia de sua "proteção" aos campesinos, do mesmo modo passam a violentar a mulher, que mais tarde ainda é levada por um integrante do grupo como uma espécie de escrava sexual para Tóquio. Na capital, Sayo mata seu raptor e é presa por assassinato e condenada à prisão perpétua, passa então a se envolver (no sentido bíblico) com todos os homens que tem contato, seja ele monge budista, carcereiro ou officeboy da cadeia pretendendo ter um filho que termine o que começou e é assim que durante uma nevasca, ao custo da vida da mãe, nasce nossa protagonista, que vai buscar dar cabo aos três assassinos que restaram.


O filme traz toda aquela aura de vingança que se tornou pop com os filmes do Park Chan-wook (oldboy), onde a história é construída sobre o alicerce da filosofia grega e sabedoria oriental, em que é mostrado que quando um plano de vingança é executado ninguém saí inteiro. Para começar pela protagonista que não é vista como uma mulher, mas como uma arma viva, uma pessoa que sacrificou toda sua vida buscando estar preparada para cumprir sua missão de matar os responsáveis pela tragédia que ocorreu em sua família; Yuki nunca ri ou parece ter empatia e todos sentimentos que parece ter são o ódio e a frustração que a atriz transmite através do olhar, apenas no final do filme, em sua hora derradeira a personagem esboça um sorriso, que me pareceu muito mais de compreensão e alívio, do que de alegria.
Outra coisa bem legal é o fato de a vingança se concretizar vinte anos depois do que a inspirou e esse espaço de tempo agir nos antagonistas de forma transformadora, ou aditivado seus defeitos ou destruindo suas vidas. Embora os "Vilões" não sejam muito aprofundados quando aparecem jovens, vamos notando que uma mudança neles ocorreu até o dia que Yuki entra em suas vidas e a maior mudança parece acontecer com Takemura Banzo, que Yuki encontra doente e alcoolatra vivendo as custas do trabalho da filha, que se prostitui mas que o pai acredita vender cestos, ele parece que carrega o peso dos pecados do passado e sua transição de algoz para vítima corrobora para a frase que transita em todo filme "Oldboy" de 2003 "Seja pedra, seja grão de arei, na água todos afundam"... ou seja, arrependido ou não o cara tá lascado.
Destinos parecidas são reservados aos outros dois golpistas, O ganancioso Gishiro e a maliciosa Okono. Esses dois ainda enriquecem a história quando incluem a questão da frustração no enredo, imagina tu ser treinado desde pequeno para uma determinada missão, matar três pessoas e acaba descobrindo que uma morreu em um acidente e quando tu vai atrás da outra essa se mata... frustrante não? Mas é o que acontece, depois de Okono se revelar, Yuki vai atrás dela para dar fim a sua vida e após vencer seus seguranças, encontra o corpo enforcado de seu alvo, não tendo outra atitude perante a essa situação do que cortar o corpo em dois e se entregar a frustração.
No Caso de Gishiro, Yuki sofre uma decepção ainda maior ao se deparar com a lápide do líder dos assassinos, atirando sobre esta toda sua fúria contida, sem imaginar que o líder dos assassinos de sua família, para escapar da justiça que o perseguia por tráfico de ópio, fingiu sua própria morte e só é descoberto porque se vê obrigado a passar uma mensagem a uma pessoa próxima essa pessoa leva Yuki para sua última missão dentro do palácio de Gishiro. O embate final é muito bacana e nele os fins justificam os meios, ao custo até das pessoas que ela ama. A cena da morte de Gishiro é simples e marcante, tenho certeza que inspirou uma história do Justiceiro que li quando era pequeno e a frase "Olho por olho" , com close nos olhos de Meiko Kaji , antes do banho de sangue, nos põe um sorrisinho maroto nos lábios.

O final faz jus a todo embasemento sobre o qual é construído o enredo do filme, ou seja, se for procurar vingança cave duas covas, uma para seu alvo e outra para você. Yuki cumpre seu papel de vingadora, mas perde seu objetivo de vida, como representante viva do niilismo, não resta nada para ela a não ser a morte e essa chega não só de seus ferimentos, mas também do punhal da filha de Takemura Banzo que busca vingança pela morte do pai e assim o ciclo de vingança segue seu caminho e vemos a neve manchada de sangue e os gritos de dor e ódio da Lady Snowblood.

Achei um filmaço! Fico pensando que talvez eu nunca tivesse chegado a esse filme se não fossem as referencias do Tarantino. O visual do filme é muito bacana combinando cenas em estúdio que parecem fake, mas dão um ar de originalidade, com cenas em locação aberta que parecem meio amadoras, mas que constroem a narrativa do filme bem colocada entre as produções dos anos 70. As cenas de luta são divertidas, com muito, mas muito sangue mesmo e a trilha sonora é marcante, com a própria Meiko Kaji cantando. Repito, um filmaço diversão garantida e vingança saciada.


segunda-feira, 14 de março de 2016

CANTIGA DE NINAR - Chuck Palahniuk (Esquerda Rewiew #2)

Fiz uma promessa a mim mesmo pouco antes de me formar, reler todas os livros bacanas que me marcaram. Foi assim que comecei meu rewill com “A mulher que escreveu a bíblia” de Moacyr Scliar e como sequência, hoje trago um livro muito especial, cheio de ironia, tristeza, loucura e magia; tal qual a vida, mas um pouco mais sucinta; Falo de “Cantiga de Ninar”, livro do escritor americano Chuck Palahniuk, publicado em nossas terras tupiniquins em 2004 pela editora Rocco e que confirmou (pelo menos para mim) o talento do escritor que chamou minha atenção quando assisti ao filme baseado em seu livro “Clube da luta”.

Capa da edição da rocco 2004
"Cantiga de Ninar” conta a história de Carl Streator, um jornalista em uma grande cidade que é incumbido de realizar uma série de reportagens sobre morte infantil súbita (ou morte no berço). Seguindo pistas de mortes recentes de crianças, ele descobre que em muitos casos sem causa de morte aparente, os pais estavam de posse do livro “Poemas e rimas ao redor do mundo” e sempre marcados na página vinte e sete, após uma sinistra experiência ele descobre que o poema dessa página mata quem o ouve e, preso em sua mente como uma música que se ouve logo pela manhã, o poema (ou cantiga de poda, como passa ser conhecido logo depois) o transforma em um assassino compulsivo. Buscando a cura para essa compulsão Streator acaba por encontra Helen Hover Boyle , a proprietária de uma imobiliária que é especialista em comprar, vender, recomprar e revender casas mal assombradas e que perdeu um filho em situação parecida com a investigada; junto com ela e contando com a ajuda de sua secretária Mona, uma hippie que se diz aprendiz de bruxaria e o namorado desta última, Ostra, um extremista ecológico, Streator parte em viagem pelos Estados Unidos para destruir todas as cópias da cantiga de poda sem imaginar que esse será apenas um entre todos os problemas que surgirão a partir do começo dessa viagem e mudarão sua vida para sempre.


Definitivamente “Cantiga de Ninar” não é um livro para iniciantes, sua forma de narrativa é tão veloz e ágil que por vezes nos sentimos tontos devido a tanta informação. Confesso que tanto da primeira vez como agora, só consegui me acostumar com a forma que autor decidiu contar a história a partir do terceiro capítulo. Sua forma de escrita me lembrou muito a apresentada por Alan More em “Do inferno”, apresentando todos os fato relevantes das personalidades das personagens em uma torrente de situações que as vão definindo, no início isso pode causar um estranhamento, porque ficamos meio perdidos, mas quando a história engrena tudo fica muito claro, fluindo naturalmente e essa estranheza inicial não diminui em nada a sensação de amargo prazer quando se termina de ler a obra.

O livro é muito divertido, e, para mim, o grande responsável por essa diversão é o flerte com o sobrenatural que o livro traz. Não se trata de uma história de terror ou de fantasmas, mas nem por isso eles deixam de aparecer, mas daquela forma sutil e que serve como pano de fundo para algo maior, que nesse livro (assim como na maioria dos livros do autor) são a solidão e a miséria humana. Quem já leu algo de Palahniuk ou viu uma entrevista do autor, sabe que a solidão é o cerne das histórias dele e que seus personagens são sempre pessoas da periferia do mainstream buscando alguém que lhes compreenda e os aceite e isso não é diferente nesse livro, temos um repórter solitário, uma corretora durona porém solitária e o casal de jovens que os acompanham, formando uma família torta com um objetivo torto, mas uma família (até ali!).

Essa “família”, sua relação e a busca por alcançar seus objetivos, que no decorrer do livro vão se mostrando divergentes, é o que enriquece a história, mas que também causa uma certa frustração conforme a história avança. Todos os personagens presentes nesse livro (exceto um talvez) estão naquela área cinza tão comumente falada nos dias de hoje, onde não se é totalmente mau e nem totalmente bom; mas eu definiria melhor dizendo que todos mereciam no mínimo um bom e belo soco no meio da cara. Para começar pelo narrador, Carl Streator, o cara é um enigma que aos poucos vai se revelando quando conhecemos o seu passado, perdeu a mulher e a filha muitos anos atrás, vítimas (sabemos depois) da cantiga de poda e após o evento, fugiu, mudou de nome e vive na solidão da cidade grande, escrevendo pequenas matérias para um jornal local. Ele odeia a barulheira das multidões e carrega consigo muitas frustrações e traumas, fatores que acabam por turbinar o poder da cantiga de poda que se instala em seu cérebro como uma música chiclete como que se houve pela manhã e que ele não tem pudor e nem controle de usar contra todos que o incomodam, seja um policial que barra sua passagem, seja um conquistador em um bar, ou seus chefes no trabalho, quando li o livro a primeira vez, lembro de ter ficado com certa pena do destino desse personagem, mas relendo agora, vejo que ele procurou seu destino desde o início e ouso dizer que ainda ficou barato.

O autor
Seguindo a hierarquia dessa “família” temos Helen Rover Boylle, que divide com Streator a tristeza da perda de seus entes queridos, no entanto conforme os capítulos vão passando, vamos descobrindo que, ao contrário do protagonista, ela não se manteve inocente por muito tempo e entendeu o potencial da arma que tinha em mãos (ou no cérebro) muito antes dele. Helen utiliza a muito tempo a cantiga de poda para retirar pedras de seu caminho, além de ganhar dinheiro como assassina de aluguel, é assim que ela controla seu vício de matar, matando uma pessoa por dia, por dinheiro e nem o drama que sofre nas últimas páginas a redime e faz pensar que seu destino seja menos merecido, embora não seja agradável.

Fechando essa força tarefa de busca de livros assassinos, temos Mona e Ostra. Mona é uma jovem hippie metida a bruxa, que trabalha como secretária de Helen em sua imobiliária e a ajuda a identificar casas mal assombradas que lhe tragam um grande retorno financeiro, crente nas forças ocultas e conhecedora de lendas e histórias das bruxas, serve como guia dentro da viagem que o grupo se propõem fazer; tem uma personalidade dependente e é manipulada por seu namorado Ostra o tempo todo, mas a guinada que tem no final do livro faz pensar quem manipula quem dentro dessa família. Já Ostra é um fanático ecológico que busca uma maneira de retirar a maior praga da natureza de ação, o homem. Trambiqueiro, sobrevive através de golpes onde promove ações judiciais que cobram indenizações de todo tipo de empresas, sua personalidade é arrogante e seus interesses claros desde a primeira linha onde o citam, deixando como única resposta pelo fato de o grupo resolver levá-lo para a viagem, a dependência que o mesmo causa a Mona, mas essa resposta não me satisfaz até hoje ao me questionar por que ninguém matou esse chato quanto tinham tempo? Talvez porque assim como na vida real, as vezes damos chances demais a quem não é merecedor… talvez.

Outra coisa legal no livro, são os coadjuvantes que aparecem em pequenas participações quando o grupo está na estrada e que servem para dar a visão aterradora do poder e dilema que os protagonistas estão lidando. Existem dois desses coadjuvantes no livro que me marcaram demais, o primeiro é uma mulher, que serve para que os segredos de Helen acabem por ser revelados; A mulher mora em um trailer e recebe o grupo achando que se tratam de consultores de beleza (tipo avon), quando na verdade eles estão procurando o livro que ela locara na biblioteca para contar histórias ao filho e acaba por matá-lo. A tristeza e solidão daquela mulher, que é apontada como culpada da morte do filho por omissão é apresentada de uma forma tão sutil e esmagadora que quando eu li me deu um nó na garganta, assim como a homem que é acusado de matar o filho e recebe o grupo acreditando que se tratam de religiosos, explodindo em um monologo sobre a existência e desejo de Deus que, eu como pai, me senti conectado ao personagem e agradecido pelo fim que o protagonista resolve dar a sua dor.


Minha dica é “LEIA CANTIGA DE NINAR”. Seja porque você gosta de histórias de terror, seja porque gosta de contos de detetives, seja porque gosta do autor ou porque ficou sabendo que o filme baseado nessa obra já está em pré-produção (foi o que ouvi), não importa, apenas leia. É um livrão desses que fica na cabeça da gente como uma música chiclete que se repete sem controle; sua ironia, dureza e tristeza, estão no mesmo nível do divertimento e emoção que o livro tem, seus personagens são riquíssimos e complexos, sua narrativa é ágil e estonteante, um legítimo Chuck Palahniuk (em caixa alta, negrito e sublinhado), um livro que te enfeitiça e embora eu não acredite em bruxas, que las hay, las hay.

sexta-feira, 4 de março de 2016

"OS 8 ODIADOS" de Tarantino (2016)



Eu não pensei que viveria para dizer isso, mas "Os 8 odiados", o último filme do tarantino foi engolido pelos outros lançamentos da época e esquecido pelo público apenas dois meses depois de sua estréia. A duração exagerada da temporada de blockbusters americanos de 2015, que começou em Abril de 2015, com a estreia de "Vingadores: A era de Ultron" e se estendeu até Fevereiro de 2016 com o lançamento do surpreendente "Deadpool", contribuiu muito para que o filme não tivesse a mesma notoriedade de outras obras do diretor, principalmente pelo fato desse filme estrear no auge da bilheteria de "Star Wars VII". No entanto, o filme está longe de ser ruim e em contribuição a expectativa que ele me causou quando seu primeiro trailer foi lançado, queria falar um pouco sobre esse injustiçado e ignorado filme.

Nas montanhas do Wyoming, uma diligência vence corajosamente a neve, trasendo em seu interior um misterioso casal. Durante a viagem, O.B, o condutor do veículo, se depara com um Cowboy negro sentado sobre três corpos no meio da estrada, seu nome é Marquis Warren, um ex-Major da cavalaria americana, que trabalha como caçador de recompensas e quer uma carona até a cidade de Red Rock, pois seu cavalo não resistiu ao frio extremo e ele deve entregar os corpos dos procurados o quanto antes se quiser pegar o prêmio oferecido; O.B diz que é uma viagem privada e se ele quiser um lugar na diligência, deve convencer quem contratou os seus serviço, e, assim o Major Warren se depara com John Ruth, o Enforcador, outro caçador de recompensas conhecido seu, que está levando Daisy Dormegue, uma condenada para ser enforcada em Red Rock; Ruth permite a carona a Warren e assim os três partem pela estrada congelada. Após alguns problemas a diligencia é obrigada a parar e eles encontram outra figura perdida em meio a neve, trata-se de Chris Mannix, o filho de um general sulista, que diz que ser o novo xerife de Red Rock e que também precisa de uma carona até a cidade, em meio a tanta dúvida e desconfiança, John Ruth permite a carona a mais este andarilho pela possibilidade de ser a verdade e assim sendo Mannix o responsável pelo pagamento da recompensa pela prisioneira. Como uma Tempestade de neve se aproxima, a diligência vai procurar abrigo na casa de Minnie, um paradouro e abrigo aos pés da montanha, chegando lá os quatro personagens (mais o condutor O.B), vão se juntar a outros quatro misteriosas figuras, O vaqueiro John Gage, que diz ter vindo de longe para passar o natal com mãe que mora do outro lado da montanha; O inglês Oswaldo Mobray, que se apresenta como o carrasco que irá enforcar a condenada; O general sulista Sanford Smithers e, O Mexicano BOB, que diz trabalhar no abrigo a quatro meses e que está tomando conta do negócio pois Minie e seu companheiro sairam para vizitar sua mãe. Pronto, apartir de agora e nas próximas duas horas e meia, dentro de uma pequena casa nas montanhas geladas a tensão será esticada ao máximo, duelos de diálogos serão travados, desconfianças surgirão, rixas raciais e políticas emergirão, alianças inesperadas e traições se revelarão para o deleite de muitos e desespero de alguns.


muito ódio
O filme está longe de ser ruim, mas não é um filme excelente. Retoma aquela pegada de tensão, com diálogos longos e sínicos que deram fama ao diretor, mas por vezes, o filme parece um mix de temas e situações já abordadas por Tarantino, e isso dá um ar de mais do mesmo a obra.
Achei bacana o fato do filme priorizar mais o estudo dos personagens, como em "Cães de aluguel", do que a ação e violência que conquistaram muitos fãs para o diretor como "Kill Bill" e "Bastardos Inglórios", tanto que penso que esse filme poderia muito bem se tornar uma peça de teatro, devido a toda trama passar, quase que 90 %, em um único cenário e focar nas histórias e reações dos personagens e no conflito que surge entre os mesmos. Também achei massa a referencia central da trama, que é o filme "enigma de outro mundo" (já comentado aqui) do diretor John Carpenter, várias pessoas isoladas no meio de um lugar distante, castigados pelo frio, em um clima de tensão onde uma, ou mais pessoas, não é quem diz que é ...e o final deixa essa referência clara, além da presença de Kurt Russel, é claro!
O ponto auto realmente é a tenção que a trama traz e a performance dos atores Walton Goggins (Chris Mannix) e Jennifer Jason Leigh (Daisy Domergue), que robam a cena. O ponto baixo é que a história poderia ter uma meia hora a menos, que não faria diferença e a trilha sonora, que sempre foi um traço marcante dos filmes do diretor, retomando clássicos da era disco e Motown, além de trilhas de séries e filmes antigos e que agora aparece muito de fundo, tendo apenas destaque e relevância quando a personagem de Jennifer Jason Leigh canta para o de Kurt Russel; talvez faça parte do contexto de solidão que o ambiente tem a opção da utilização do silêncio e de temas menos animados para compor a experiência, mas eu esperava mais dessa parte musical em um filme do Tarantino.

De qualquer forma, digo que esse não é o pior filme do diretor e digo ainda que esse é o melhor dele com a presença do Kurt Russel, mas está bem abaixo de outras produções que ele já nos apresentou. Gostei da referência a John Carpenter e da atuação de Walton Goggins que achei surpreendente , mas não achei esse retorno suficiente devida expectativa que o lançamento de um filme desse diretor cria no mundo. Em todo caso, "Os oito odiados" é um filme que merece ser visto e espero que ele seja redescoberto assim que essa onda gigantesca de filmes que 2016 promete baixar e que no próximo filme, Tarantino aborde outras situações e temas para voltar a ser marcante seja no inverno, seja no verão americano.