quinta-feira, 16 de julho de 2015

A SEGUNDA PÁTRIA - O romance histórico distópico retro brasileiro

   De dois anos para cá eu só tenho lido ficção científica, distopias e contos de terror. Em parte talvez por entender que esses estilos sejam os mais próximos da realidade do que qualquer outro, afinal, assistindo aos jornais que só nos mostram o lado terrível e auto destrutivo do ser humano e sua busca por tecnologias que diminuam o esforço, Asimov , George Orwell e Stephen King me parecem mais verdadeiros do que Machado de Assis e Jorge Amado. Outro motivo é por sentir mais prazer nas desventuras fantásticas e imaginativas dos autores citados acima do que nas ensossas histórias de rotina auto piedosa dos livros “realistas” modernos, que são quase como um diário do autor. Foi através da busca por outros livros dessa minha linha preferida de história que descobri “A segunda pátria”, de Miguel Sanches Neto, lançado esse ano, e me surpreendi com um livro envolvente, divertido e terrível. 
    Inclui o livro na categoria "romance histórico distópico retro", pois reconta reconta a história do Brasil do final dos anos trinta e começo dos quarenta em um universo onde ao invés de se alinhar aos aliados, o país houvesse tomado outro rumo e firmado um acordo de ajuda mútua com o estado Nazista. Essa história, que se passa nos estados do sul do país, em maior parte em Blumenau e Porto Alegre, nos é apresentada pela ótica de dois personagens, Adolfo Ventura, um engenheiro negro que trabalha na prefeitura da cidade catarinense e vê sua vida ser destruída a medida que as ideias nazista vão dominando a colônia (RS, SC e PR) e, Hertha, considerada a mais bela ariana da colônia e que é incumbida de realizar uma tarefa que se pode descrever como pouco ortodoxa para a Gestapo e que marca seu destino para sempre.
    O livro se divide em quatro capítulos sendo o primeiro e o último destinado a Adolfo Ventura e seus circulo de familiares (Mãe, pai e Filho) e os dois do meio explorando Hertha e suas desventuras. No primeiro capítulo, que se passa em 1941, vemos uma sociedade firme em preconceito e perseguição, com ideias nazistas cristalizadas na cabeça de grande parte dos descendentes de europeus onde vemos Adolfo tentando fugir das multidões com seu filho mestiço e vendo seu espaço na sociedade sendo minado ao ponto de ao final acabar sendo tratado como um animal. O segundo Capítulo , que se passa em 1938, retrocede para esse período para nos mostrar uma Hertha Jovem e insaciável que beira de uma personagem de Jorge Amado pelo desejo e sensualidade que insinua, nesse capítulo , que se passa em porto alegre, o crescimento do fanatismo e a indiferença do governo brasileiro indicam o rumo que o país tomará a seguir, o que a visita de Hitler a Porto Alegre, marca como ponto de partida. Os outros dois capítulos colhem o que os dois primeiros plantam, entregando ao leitor toda dor e desperança que, não só, uma teoria de superioridade causa na sociedade mestiça por nascença pode sofrer como que qualquer guerra pode causar.
  A profundidade que o autor dá aos personagens, mesmo os que possuem uma participação mínima, faz com que eles se desenhem quase como reais na cabeça do leitor. Adolfo Ventura é o negro que não se enxerga como tal e que ignora a diferença que os outros o atribuem, como ele mesmo diz "eu não me via como diferente" e para encontrar a si mesmo ele tem de passar por uma odisseia terrível, que o colocará frente a frente com seu lado ancestral e selvagem; ao redor dele temos principalmente sua mãe ,que é a expressão da força e coragem de mãe, que vence os medos e limitações pelo amor ao filho e neto, temos também seus colegas de "campo de isolamento",que expressam mais organização e razão do que os nazistas que os tratam como animais, sem, no entanto serem perfeitos. Nos que rodeiam Hertha temos seu tio Karl, que embora simpatize com o nazismo no inicio, entende que a mestiçagem é o que define no Brasil e não vê nada de ruim nisso ao final, se colocando quase que publicamente contra o fanatismo , é dele que sai a analogia mais bacana do livro ao se falar dessa mestiçagem tão citada, quando ao conversar com a sobrinha, próximo a uma floresta de eucaliptos plantados de forma organizada , expressa sua tristeza, ao perceber que quando chegará ao país havia odiado as misturas de árvores que aqui dominavam as florestas, todas se interlaçando e se misturando e que agora entendia que a organização militar e uniforme daqueles eucaliptos e que estavam no lugar errado. O livro ainda dá voz a personagens históricos ,como o presidente Getúlio Vargas e seu guarda costas Gregório Fortunato (que tem uma participação foda!) , Oswaldo Aranha , Hitler e Gobels, em participações extremamente verossímeis.
   Gostei de mais do livro! Ele tem uma pegada parecida com "O homem do castelo Alto" de Philip K. Dick, em uma história do tipo "o que aconteceria se...?", mas em " A segunda pátria" o fanatismo e destruição da sociedade estão muito mais gritantes e a história segue uma linha mais densa e realista,o que inclui um final não muito alegre. A leitura do livro é fácil, não há nele nada de rebuscado e diversão (embora os socos no estômago) garantida; ouso dizer ,que se fosse de um escritor americano se tornaria filme já no ano que vem, mas já que se trata de um livro nacional resta a nós lê-lo e relê-lo , sorvendo tudo que esse maravilhoso romance histórico distópico retro pode nos ensinar sobre a terrível e maravilhosa sociedade humana.
Poderia ter sido, por sorte não foi!

   
  

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