quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Bonnie & Clyde, Lampião & Maria Bonita, Corisco & Dadá e os verdadeiros heróis de suas histórias

  Nesse último domingo assisti a maratona da série “Bonnei & Clyde” na history Channel. A série conta a história da famosa Gang Barrow que aterrorizou o meio-oeste americano durante a década de trinta, partindo da origem dos personagens , passando pela formação da Gang, sua transformação em lenda e culminando com a morte dos dois protagonistas em Bienville Parish em 23.05.1934, quando ambos tinham vinte e cinco anos de idade. Gostei da humanização que deram aos personagens retirando aquela aura de invulnerabilidade que as lendas trazem consigo e do fato de também dar foco aos outros membros da Gang, como o Irmão de Clyde, Buck Barrow e sua mulher Blanche Barrow; mas achei que a ideia de colocar Clyde Barrow quase como um médium, que ante vê os perigos e tem visões de seu destino, assim como Bonnie Parker como a maior manipuladora e exibida que já existiu na terra um tanto forçada (embora as fotos que os bandidos deixaram atesta para tal traço de personalidade).
Bonnie e Clyde
  Na semana anterior, a Globo reexibiu a série “Lampião & Maria Bonita” de 1982 em um especial em formato de filme, onde utiliza argumentos semelhantes para dar mais carisma aos personagens e glamoriza-los. A série conta como foi a vida e a morte do rei do cangaço, que atuou no Brasil quase que no mesmo período que Bonnie & Clyde atuaram nos E.U.A. Lembro de assistir a série quando ela foi reexibida pela primeira vez no “Vale a pena ver de novo” quando o politicamente correto ainda não existia e a violência e o sexo corriam soltos depois das duas da tarde; naquela ocasião, eu com uns oito anos fiquei um pouco chocado com as cenas onde orelhas eram arrancadas e as cabeças dos soldados eram mostradas cortadas em uma bacia, mas gostei bastante, mesmo assim sentia que faltava algo ou tinha alguma coisa um pouco torta na narrativa e foi só depois de rever a série e depois assistindo Bonnie e Clyde que percebi que o que faltava era o aprofundamento do Herói.
 
Frank Hamer
 A Gang Barrow foi riscada da terra devido ao esforço de um homem, Frank Hamer, um oficial dos Rangers americanos que voltou a ativa para caçar “bonnie e Clyde”, na série embora ele tenha uma grande importância, tendo seu faro para perseguição e talento mostrados, ele é muito pouco explorado, tanto que procurando saber mais sobre o personagem histórico não encontrei livros a venda sobre ele e mesmo o Dr Google e a Senhora Wickpedia possuem pouco material do carrasco da Barrow Gang, muito semelhante ao que acontece com as volantes que perseguiam e matavam os cangaceiros no nordeste brasileiro, tudo que se encontra sobre elas só é encontrado quando é referenciado na história dos bandidos e quando isso acontece há uma grave inversão de valores e o bandido se torna um herói, ignorando os crimes e sofrimento que eles causaram; assim como a coragem de quem os eliminou.
      Procurando um pouco sobre esses verdadeiros heróis, não tive sorte ao pesquisar sobre Frank Hamer, mas encontrei o excelente Blog “Lampião aceso”, que conta a história do cangaço e da luta para deter os bandos de bandoleiros que assombravam o interior nordestino no inicio do século XX , lendo o blog fui agraciado com a história e uma entrevista com o Coronel Zé Rufino, o homem que matou uma das lendas do Cangaço, “Corisco”; a entrevista, feita pelo escritor e cineasta Ruy Guerra desenhou na minha mente a imagem de um Herói real que fez o que tinha de ser feito e não esperou aplausos ou glamour pelo feito, assim como Frank Hamer, esquecido pelos livros e ignorado pelo Google.
Abaixo segue a história de zé Rufino e logo após sua entrevista.

Cel. Zé Rufino - "O Matador de Cangaceiros"

Por Ângelo Osmiro Barreto.
Zé Rufino em sua fazendo em 1962


José Osório de Farias, o afamado 
Zé Rufino, conheceu LAMPIÃO- Rei do cangaço quando ainda era um sanfoneiro, percorrendo o sertão brabo das ribeiras do Pajéu e adjacências, no sertão de Pernambuco, estado onde nasceu.

O primeiro encontro entre os dois valentes sertanejos deu-se nas terras do município de Salgueiro. 
Zé Rufino tocava numa festa de casamento e LAMPIÃO era um dos convidados, a empatia do chefe dos cangaceiros com o sanfoneiro foi imediata. LAMPIÃO convidou Zé Rufino para ingressar no bando. Com muita habilidade o futuro matador de cangaceiros disse que não podia acompanhar o grupo, pois sua mãe já era idosa e como "arrimo" de família tinha os irmãos para criar, além de tudo não gostava de armas, o capitão o desculpasse, mas não tinha nascido para aquela vida.

Passado algum tempo, aconteceu um novo encontro com o rei do cangaço, mais uma vez LAMPIÃO convidou 
Zé Rufino para acompanhá-lo. Com medo de negar novamente um pedido do Capitão, disse ao rei do cangaço que antes precisaria solucionar alguns problemas familiares; como iria deixar sua mãe e seus irmãos? Tinha que resolver essas questões.

LAMPIÃO o liberou, entretanto marcou uma data para sua apresentação e dessa vez não aceitaria desculpas. 
Zé Rufino agora tinha que se decidir, ,ou entraria no cangaço para acompanhar aquelas verdadeiras feras humanas ou iria se apresentar como soldado na volante, o que pouco diferenciava de um cangaceiro, como sanfonciro não poderia mais ficar.

LAMPIÃO não o perdoaria. A decisão foi difícil, mas 
Zé Rufino optou por entrar na polícia, seu destino agora seria perseguir cangaceiros. Zé Rufino foi um dos mais temidos perseguidor de cangaceiros, chegou rapidamente ao oficialato, alcançando a posição de Coronel da Policia Militar da Bahia.

Consta na literatura sobre o cangaço cerca de vinte e duas mortes feitas pela volante comandada por 
Zé Rufino. Sua volante ficou famosa no sertão por cortar as cabeças dos cangaceiros mortos em combate. Sua façanha mais conhecida foi à morte do cangaceiro Corisco o "Diabo Louro", um dos mais famosos cangaceiros que se tem noticia. Marcando definitivamente ente o fim do cangaço.

O Coronel 
Zé Rufino, combateu na volante baiana até o extermínio do cangaço.Terminada a campanha contra o banditismo, “comprou algumas fazendas na região de Geremoabo” no estado da Bahia, aonde já idoso veio a falecer.

Zé Rufino em entrevista

O HOMEM QUE MATOU O CANGACEIRO "CORISCO"
Por Ruy Guerra*



O sol do meio-dia fazia da praça de Jeremoabo/BA um imenso deserto.


Lembro-me que tudo se passou naquele ano triste de 1962, ano da morte de Miguel Torres, no acidente desse mesmo jipe agora ali estacionado, coberto de poeira, junto da única loja aberta naquele vazio do mundo.

Só não me lembro como foi que o coronel Rufino surgiu, sentado no bar, esfíngico, vestido de uma camisa e calça caqui, sem atinar muito bem o que queríamos dele. Nós, igualmente calados, sem outro intuito que o de trocar umas palavras com o homem que matou Corisco.

Mas dali para a frente tudo ficou marcado em mim com uma nitidez que chega a assustar. Cada gesto, cada palavra, cada silêncio, foi ficando através do tempo mais depurado, mais definido, mais exato. Não há um detalhe, uma palavra, um sentimento, de que eu não tenha a serena convicção que foi assim, rigorosamente como tudo se passou.

Pedi um cerveja, que chegou morna.

O coronel Rufino, e não sei porque isso devia me surpreender, pediu um sorvete de morango. O Miguel Torres, por uma dessas maldades da memória, deixou de estar presente. Houve um silêncio largo, desses silêncios de quando estranhos se medem e se perguntam a si mesmos como começar essa aventura que é a de se conhecer.

Do coronel Rufino eu sabia tudo o que me parecia importante saber: que era o maior caçador de cangaceiros ainda vivo, que há muito estava aposentado, que era natural dali mesmo, daquele sertão. De nós, imagino, ele sabia apenas que fazíamos cinema e pensávamos filmar por aquelas bandas. E não parecia particularmente interessado em saber mais. Aceitava o encontro como a inevitável curiosidade que desperta quem traz a marca de ter matado o cangaceiro mais mítico de toda a história do cangaço.

Com movimentos pausados, de quem tem toda a velhice diante de si para gastar, ia sorvendo seu sorvete de morango.

O que mais me marcou naquele encontro, logo de saída, foi isso mesmo: o sorvete de morango. A cor desmaiada do sorvete barato, a colherzinha vagabunda na mão grossa, seca, veienta, com o dedo mindinho ridiculamente afastado dos outros dedos.
Por que um sorvete, e ainda mais de morango?

Por causa desse insólito sorvete me custou a lançar a conversa.

Comecei com perguntas banais das quais já conhecia as respostas, e que não justificam o desvio que havíamos feito por aquelas poeiras calorentas do sertão para aquele eventual encontro. Se ele, coronel Rufino, havia comandado muitas volantes atrás de cangaceiros. Se toda a sua vida se havia dedicado a essa caça, se havia perseguido Lampião. Se havia dado voz de sangrar a muito bandido.

A cada pergunta, Rufino ia monossilabicamente confirmando, pausado, aparentemente mais atento ao sorvete de morango que ao óbvio questionário.

- E Corisco? O senhor matou Corisco?
Corisco e Dada


- Matei.

O Coronel Rufino não era um homem alto, nem tinha nada que à primeira vista pudesse impressionar alguém que não soubesse do seu passado. Nos seus, imagino, sessenta e tantos anos, não se sentia nele um grama de gordura. Tinha um rosto marcadamente nordestino, sem emoções visíveis, uns olhos fendidos preparados para os exageros da luz da caatinga e uma voz surpreendentemente jovem.

Parecia desinteressado, embora cortês. Senti que ele estava, não ansioso, mas determinado a terminar o encontro com o final do seu, para mim já irritante, sorvete de morango.

Foi essa certeza e o sentimento da idiotice das minhas perguntas que me fizeram perguntar de supetão gratuitamente:

- O senhor, coronel, torturou muita gente?

- O coronel Rufino parou de comer o seu sorvete, a mão pesada, suspensa no ar, a meio caminho.
Pela primeira vez senti que pensava rápido, embora o tempo durasse. Depois, delicadamente, pousou a colher. Até então ele nunca me havia encarado, e continuou assim.
Limitou-se a olhar a imensa praça vazia, assustadoramente amarelada pela crueza do sol.

- Seu João!

A voz continuava controlada, e embora o tom não tivesse aparentemente subido, atravessou a distância. Foi então que eu notei que um camponês desgarrado estava passando.

O homem entrou no bar. As alpercatas de couro sem ruído, o chapéu de palha agora respeitosamente na mão, um olhar rápido para os forasteiros.

- Sim, coronel? O coronel falou num tom macio, quase afetuoso.
- Seu João, o senhor me conhece há muito tempo, não é verdade?
- Conheço sim, coronel.
- Quem sou eu?

Uma leve estranheza na voz do camponês.

- O senhor?... O senhor é o coronel Rufino.
- Eu persegui muito cangaceiro, não persegui? - Perseguiu, coronel.
- Eu matei muito cangaceiro, não matei? - Matou, coronel.

A voz de Rufino continuou, inalterada.

- Eu torturei muito cangaceiro, não torturei? A voz do coronel Rufino parecia ainda mais mansa, mais paciente.
- Eu torturei muito cangaceiro, não torturei? Os olhos do camponês correram por nós, intrigados.
- Não, coronel... Não, senhor.
- Obrigado, seu João. Pode dispor!

Com um leve aceno de cabeça para todos o camponês afastou-se. O coronel Rufino esperou que o homem desaparecesse no sol da praça e só então me encarou, pela primeira vez.
Os olhos fendidos sem expressão, talvez por isso mais inquietantes, aprisionando os meus. A voz sempre igual, mas onde se podia sentir agora, nítida, uma intensa paixão.

- "Toda a minha vida eu persegui cangaceiro. Prendi muitos, também dei fuga a muito pobre-diabo que se meteu nessa vida por injustiça que sofreu. Mas matei muitos, muitos mesmo. De bala, de faca, de todo o jeito. Era a minha profissão".

Levantou a mão, espalmada, à altura do rosto. Essa mesma mão, que até então tinha servido para comer aquele irritante sorvete de morango. Foi uma pausa curta, mas guardo aqueles breves instantes como os de uma indefinível angústia.

- "Mas esta mão, esta mão que o senhor está vendo aqui, nunca tocou o rosto de um homem, fosse quem fosse, nem do pior bandido. Porque homem a gente mata, sangra..."

Passou a mão suavemente pela própria cara.

- Mas tocar o rosto de um homem, só sua mulher e o barbeiro têm o direito de tocar".

O coronel Rufino retomou a colher e continuou a comer o interminável sorvete de morango. Lembro-me de ter sentido um imenso alívio, como se tivesse vindo de muito longe. E tinha, como compreendi mais tarde.

Daí para diante não me lembro de mais nada. Não sei como nos separamos, se trocamos mais alguma palavra - o que duvido - além de alguma banal despedida. Mas ao longo dos anos comecei a relembrar e a contar, obsessivamente, este encontro. Não com o sentimento de ter escapado de algum perigo - embora ainda hoje não esteja muito certo disso -, mas com a desconfortável convicção de ter ido tão fundo naquele sertão para ingenuamente insultar um homem na sua hospitalidade, na sua memória, no seu mundo.


Zé Rufino ao lado da prisioneira Dadá


Texto publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 1993, e reproduzido do livro "20 Navios", de Ruy Guerra. Editora Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1996, prefácio de Chico Buarque, 228 páginas.

# RUY GUERRA: Cineasta, escritor, dramaturgo, compositor (parceiro de Chico Buarque, Edu Lobo, Francis Hime etc..), ator..etc..


      Na minha opinião, nenhuma frase define melhor o que esses homens fizeram quanto a dita pelo escritor francês Victor Hugo:
                   " Quem poupa o Lobo, Sacrifica a Ovelha!"

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

"DEIXA ELA ENTRAR" - muito do livro e um pouquinho dos filmes

    Em 2008 o cinema sueco trazia ao mundo uma grande surpresa ao reviver com dignidade a imagem do vampiro; se tratava de “Deixa ela entrar” do diretor Tomas Alfredson. O filme, que conquistou o cenário mundial no ano seguinte, rapidamente se tornou um clássico, recebendo uma refilmagem americana em 2010 com a Eterna Hit-gril, Chloë Grace Moretz , no papel da vampira ELI e dirigido por Matt Reeves que viria a dirigir o elogiadíssimo “Plane dos macacos: o confronto” em 2014. Eu, quando assisti ao filme o achei ótimo, mas na minha infinita ignorância sempre achei que ele era fruto de um roteiro original, no melhor estilo cinema autoral europeu, mas ao pesquisar um pouco mais sobre a obra após ouvir o excelente Cinecast Cult ( do site os cinéfilos) sobre o original sueco, acabei por descobrir que o roteiro é adaptado do livro homônimo do escritor John Ajvide Lindqvist e que a Globo livros o havia lançado no Brasil em 2012; Então eu não resisti, comprei o livro e o devorei.
   A história central do livro não tem nada de diferente dos filmes, ela se foca em Oskar e Eli; Oskar é um menino solitário dos subúrbios de Estocomo , que vive com a mãe, que é separada do pai alcoólatra , e divide seu tempo entre casa, onde está sempre só e a escola onde sofre bullyng dos colegas; Eli por sua vez é uma menina misteriosa que se muda, junto com seu “pai” para o apartamento vizinho ao de Oskar e acaba firmando uma amizade com ele, o fazendo refletir sobre autoestima, amor, solidão, sexualidade, medo e violência; enquanto essa amizade vai crescendo, estranhos assassinatos vão sendo realizados nas proximidade de Blackeberg, bairro onde os protagonistas moram, criando tensão e medo entre os habitantes, é entre esse acontecimentos que Oskar descobre que Eli é uma vampira, o que muda para sempre sua vida e sua forma de ver o mundo e a si mesmo. A trama central já é bem rica pelos temas que aborda e pela maneira como expõem esses assuntos , de forma que utilizaram apenas esse arco para roteirizar os filmes; no entanto, algo que não existe nos filmes é o aprofundamento das outras pessoas afetadas pela situação e as ações e reações que os protagonistas precisam tomar para sobreviver naquela sociedade, o que ao meu ver é muito bem conduzido pelo escritor, pois o livro tem diversos personagens que foram diminuidos ou excluídos nos filmes e que são importantíssimos para que possamos entender o mundo onde Oskar vive e aceitar suas decisões.

   Já no inicio do livro, Quase que junto com os personagens centrais somos apresentados a Hakan, que Oskar imagina ser o pai de sua nova amiga, mas que na verdade é seu ajudante; um pedófilo apaixonado por Eli e que é responsável de conseguir sangue para a sua amada de modo que esta não precise se expor. Nos filmes, a relação deles é distante e muitas vezes Eli o despreza como se ele já não fosse mais útil, já no livro há uma grande cumplicidade entre os dois, de modo que a Vampira não se zanga quando seu ajudante diz que não quer mais matar e vai a busca de sangue ela mesma, recomendando que Hakan descanse e esqueça um pouco a vida que eles levam; A história de Hakan vai sendo exposta lentamente, partindo de um momento atual onde ele caça e executa vítimas para retirar o sangue e, sua vida anterior, onde vemos seus atos de pedófilo; também somos apresentados a suas frustrações e arrependimentos e surpreendidos com momentos onde ele tenta realizar gestos genuínos de bondade, mesmo quando sua consciência grita que não há redenção. Diferente dos filmes o “fim” de Hakan ainda abre espaço para mais situações assustadoras e converge com o final de outros personagens em momentos aterrorizantes que ficariam muito legais no cinema.
   Há também o grupo do Bar Chinês, que não aparece por completo nos filmes; esse grupo é composto por Joke, Gösta, Larry, Morgan, Lake e Virginia ( no filme o grupo se resume aos amantes Lake e Virginia), esse grupo é a representação da solidão humana e de um underground que eu não sabia que existia na suécia; Morgam faz bicos para viver e está sempre de porre, Joke trabalha em um ferro velho as vezes, Gösta  vive em um fétido apartamento com vinte e oito gatos, Larry é aposentado por doença (qual ninguém sabe), Lake vive do dinheiro da venda da casa da família e dos selos raros que herdou do pai e Virginia é uma solitária cinquentona que bebe para esquecer as frustrações de sua vida e emprego medíocres, todos eles são descritos sempre usando roupas gastas e surradas quando não sujas, cambaleando pela noite, com o olhar vazio e o rosto e o corpo marcados pela bebida; deles, apenas Virginia tem uma filha e um neto, os demais só possuem uns aos outros, mas mesmo assim, não se pode dizer que eles são companheiros, na verdade é um grupo de várias solidões juntas. Esse grupo é responsabilizado por nos mostrar duas questões ( além de exporem uma sociedade Sueca desconhecida), as consequências que um crime, como o assassinato, causam no circulo social da vítima e as questões que se apresentam quando alguém é contaminado por um vampiro. O primeiro caso surge quando Joke, um dos bêbedos do grupo, é vítima de Eli, que sai para caçar após a resposta negativa de seu ajudante; o desaparecimento de Joke causa um forte impacto no grupo a que ele pertencia, especialmente em seu melhor amigo, Lake, que se desespera e se torna obcecado em descobrir o que aconteceu ao amigo; motivo que o leva a descontar, dias mais tarde, suas frustrações e raiva em Virgínia, sua amante, que acaba sendo atacada por Eli quando a fome a havia dominado. A partir daí acompanhamos todas as etapas da transformação de Virgínia, sua alergia a luz solar, sua fome e a descoberta pelo prazer de beber sangue (que é muito bem ilustrado pelo escritor), uma pseudo explicação científica que informa o porque o coração é o ponto franco dos vampiros, passando por delírios onde a infectada se imagina sugando o sangue de seu próprio neto. Devo dizer que os capítulos onde , após ser atacada pelos gatos de Gösta (que ela visitou para matar, mas que foi frustrada pela presença de Lake no lugar), onde Lake está com ela no hospital e lhe conta o sonho que tinha de morar no interior com ela e comprar uma casa para sua filha, tirando lágrimas dos olhos da vampirizada ,são muito bonitos e emocionantes, embora o final seja tão aterrador quanto o filme, quando a manhã chega e a enfermeira abre as janela para o sol entrar.
o sol anda forte não?!
   Também temos Tommy, sua mãe Yvonne e seu futuro padrasto , o policial Staffan. Tommy é um garoto mais velho que mora em um apartamento vizinho ao de Oskar, ele é uma das poucas pessoas que parecem respeitar o menino, dando-lhe conselhos e conversando sobre o dia a dia, ele passa grande parte do tempo no porão do prédio com seus amigos, cheirando cola e pratica pequenos furtos para conseguir dinheiro; Yvonne é uma viuva perdida que só é relatada fumando, sem saber como tratar com o filho ou observando seu namorado com olhos alegres; Staffan por sua vez é um dos policiais responsáveis por investigar os assassinatos que vem acontecendo na região de Blackeberg, campeão de tiro e cristão devoto, é através de seus relatos que somos apresentados a como a sociedade lida com a presença de um assassino em série em seu meio. Os motivos da rebeldia de Tommy e a consequência disso na relação de sua mãe com staffan são lentamente desenvolvidas e divertidamente trabalhadas. Esses personagens foram cortados dos filmes, talvez para dar um ar ainda mais solitário ao protagonista, mas que no livro são importantes pois são uma especie de espelho da vida que Oskar poderia ter também, deixando claro que ele não teria quase nenhuma esperança caso essa fosse sua situação.
   Um outro arco, que embora pequeno é muito bom e eu não esperava, é o de Johnny, o garoto que faz Bulling em Oskar. O autor o apresenta como o segundo filho de uma família de seis irmão, sendo apenas ele e Jimmy, seu irmão mais velho, filhos do mesmo pai. O capitulo único onde o foco é Johnny, apresenta uma conversa entre ele e o irmão mais velho onde o assunto é o pai que trabalha em uma plataforma de petróleo na Noruega, em poucas linhas , embora não justifique o modo como o personagem age, acabamos por entende-lo e o aceitar, a forma como o autor o humaniza, relatando a casa bagunçada, a mãe alcoólatra e sempre grávida, a falta de esperança e base, faz com que tenhamos mais pena do que raiva e nos coloca um nó na garganta quando o fim desses personagens é anunciado, ao mesmo tempo em que lá no fundo dizemos “Bem feito!”. É brilhante!
Dois outros personagens se impõem na trama, o clima do inverno Sueco e a solidão de seus personagens. No livro o clima tem um papel importante, a ideia do branco do gelo que representa a pureza e ao mesmo tempo a frieza; O clima também tem destaque nas partes tensas como quando um assassinato vai acontecer, o autor frisa o derretimento do gelo e a lama negra que corre pelas ruas, fazendo com que carros derrapem e armadilhas para os desavisados se formem. A solidão, como já falei, está em todos lugares do livro, no protagonista que sem amigos, se sente só mesmo que acompanhado da mãe, da Vampira que caminha entre as pessoas durantes séculos sem conhecer o que é a amizade verdadeira, Johnny que usa o bulling como armadura e que sente a falta de um pai e que vê no estilo de vida do irmão o único elo com algo que ele reconhece como verdadeiro, Hakan que ciente de seus defeitos vaga sozinho e triste reconhecendo seus crimes, o grupo do Bar chinês e suas desesperanças, as mulheres, sempre retratadas como submissas às vidas que lhe foram impostas, todos personagens estão sozinhos por mais que estejam acompanhados, analisando bem o livro, penso que a história é muito mais sobre a solidão do que uma simples história de vampiro.
Sempre fico feliz quando gosto de um filme e descubro que o livro onde foi baseado é ainda melhor que ele e “Deixa ela entrar” é um exemplo disso. O filme é muito bom, mas o livro o supera quando apresenta os personagens periféricos citados e as consequências da situação em suas vidas, além de levantar diversas outras questões, como a Origem de Eli, que é ignorada nos filmes e que nos é mostrada através de um sensacional elo psíquico que se forma entre ela e Oskar quando eles se beijam, Oskar é colocado dentro da mente de Eli e vê, como se fosse ela, seu passado e como aconteceu sua contaminação, de forma que descobrimos que Eli na verdade é Elias!isso mesmo, um menino!! Elias foi emasculado e contaminado para saciar a sede de sanguem do senhor feudal onde sua família era serva, isso a mais de duzentos e vinte anos.... o que responde a uma pergunta que a (ou o) vampira(o) faz a Oskar quando a amizade de ambos começa a crescer : “se eu não fosse uma menina, você gostaria de mim?”... e a resposta de Oskar se confirma apesar das dúvidas que a revelação perturbadora levantam em sua cabeça de menino de doze anos..., “Sim!”, o que também é claramente sentido por Eli , algo que nos filmes parece ser um sentimento simulado na busca de um novo ajudante.
   Outra questão é o Bulling, nos filmes a situação vivida por Oskar pode ser caracterizada como terro psicológico, mas no livro o medo é devido a uma verdadeira possibilidade de dor física acompanhada pela certeza de humilhação constante, Oskar é perseguido a todo momento, o obrigam a imitar um porco, o surram, sujam e prejudicam de toda maneira, conseguimos sentir através das linhas a falta de força e esperança que o personagem apresenta frente a tudo e acompanhamos a alegria quando ele consegue reagir e começa a se tornar alguém diferente, o final do livro me arrancou um sorriso quando fala o que acontece com os covardes irmãos Johnny e Jimmy na piscina de treinamento da escola.

  Por tuuuuuuuuuuudo isso, considerei “Deixe ela entrar” um dos melhores livros que li nos últimos anos e o melhor romance sueco que eu já li na vida (só li ele), um livro de fantasia que não ofende a inteligência de ninguém mas que ao mesmo tempo consegue ser divertido e empolgante, consegue explorar bem seus personagens expondo suas motivações, sentimentos e vida; mostra uma lado diferente do comumente apresentado da Suécia, traz novamente a dignidade que foi roubada dos vampiros ultimamente, apresentando aquele quê de violência e revanche que deixa um gostinho de sangue na boca, sem trocadilho.
  
capa do filme original 2008

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

PENNY DREADFUL - O suave, doce e classudo terror londrino

   Quando eu penso em um ambiente de terror e tensão clássicos, nenhum lugar “melhor” me vem a cabeça do que a Londres vitoriana, com seus casarões antigos e aparentemente desabitados, o ar poluído das fábricas, a névoa constante e o clima miserável de seus abitantes; muito dessa visão é culpa dos próprios autores ingleses como Conan Doyle e Oscar Wilde, ou dos filmes e documentários sobre Jack, o estripador , que criavam na minha cabeça a ideia de um lugar terrível e impossível de escapar. E para minha alegria, foi essa mesma sensação que encontrei ao assistir “Penny Dreadful” série da Showtime exibida no Brasil pela HBO (sempre ela) entre Maio e Julho de 2014 mas que, como de costume, terminei de assistir dias atrás.
Eva Green como Vanessa Ives
   O nome da série vem das publicações de terror que eram vendidas por centavos na Inglaterra no século IXX e que foram apelidadas de “centavos de terror” , Penny dreadful em inglês; a história tem como protagonista Vanessa Ives (Eva green) Uma médiun perturbada por uma entidade sobrenatural que a persegue desde sua adolescência, a mantendo entre a loucura e a sanidade; ao lado de Vanessa se encontra Sir. Malcon Murray (Timothy Dalton), lord Inglês, explorador e aventureiro que recorre aos dons da médium quando a filha , Mina, é raptada por uma criatura das trevas (bUuUu...); a partir daí pessoas com talentos específicos vão sendo recrutadas para buscar encontrar respostas e ajudar em um possível resgate, tais como Ethan Chandler (Josh Hartnett) misterioso pistoleiro americano, que primeiramente aparece como um ator circense, fútil e mercenário, mas que aos poucos vai se mostrando mais complicado e familiar ao que os terrores da noite tem a oferecer, ou o Dr. Victor Frankeinstein, jovem médico obcecado pelo único mistério que o atormenta, a tênue linha entre o que se considera vida e morte; não podemos deixar de falar da participação especial do Dr. Van helsing, hematólogo que traz consigo o trauma de ter encontrado a escuridão e perdido algo de valioso para ela, outra figura importante é o imortal e conquistador Doryan Gray, que passeia pela história atrás de sensações e prazeres que deem sentido a sua vida; Juntos eles buscarão vencer as trevas das ruas de Londres e de seus próprios passados.

Josh Hatnett como Ethan Chandler
 O seriado é ótimo! Ao meu ver , dentro destas séries pequenas com inicio, meio e fim em poucos episódios, como vem se tornando tendência,só perde para “true detective”, da própria HBO e “Sereia” da Globo e o fator importante para isso é que o foco principal são os personagens e não a trama em si; as pessoas com seus traumas, medos e erros abrem espaço para um universo que converge para situação onde elas são enseridas e que cria a empatia com o telespectador, herança de “Sopranos” e “Breaking Bad”. Outro fator são as atuações, Eva Green está fantástica como a perturbada médiumVanessa Ives, não acho a atriz a mais bonita ou charmosa dessa nova safra de beldades do cinema, seu papel de maior apelo sensual foi em “007 Cassino Royale”, mas depois disso só consigo lembrar dela em papeis meio sem graça em sequências desastrosas, como em “300 a acensão de um império” ou em “Sym city, a dama fatal”, em que ficam forçando um sex appel que ela não tem, já em “Penny dreadful” ela rouba a cena, principalmente quando aparece possuída pelo demônio, revelando os segredos mais íntimos de seus companheiros em meio a deboches, ataques de raiva e frases gritadas em línguas mortas, a melhor possessão desde “O exorcista”!. Timothy Dalton que a meu ver seria um ator que não combinaria com esse tipo de série ( acho que a imagem dele com James Bond ainda está presa na minha mente) convence sempre, Lorde Inglês explorador no melhor estilo Sir Richard Francis Burton, buscando encontrar a origem do Nilo e explorando as savanas da África mantendo a família em segundo plano e a arrastando para a destruição, a decisão de colocar um explorador como pai da pobre Mina, a amante de Drácula e assim explicar a mente aberta e reação da família após o seu rapto foi muito bacana e o ator com aquela postura de lord sem perder o ar de líder durão faz com que tu confie nele até quando seus podres são revelados. Os mistérios e reações que cercam Ethan Chandler talvez não fossem tão intrigantes se quem o viveu fosse alguém diferente de Josh Hartnett que abandona aquele visual de galãzinho dos tempos de 40 dias e 40 noites e se apresenta como o misterioso e atormentado pistoleiro que cai de paraquedas no meio dessa trama toda, mas que aos poucos vai se tornando o elo entre a realidade e os segredos que o grupo vai conhecendo, os mistérios de suas batalhas internas só chamam menos a atenção do que sua tórrida cena de paixão com Doryan Gray . Falando em Doryan Gray, justamente o ator que o interpreta, assim como o que vive o Dr Frankeintein não me convenceram, é como se faltasse alguma coisa aos dois, não sei se devido a ótima atuação do restante do elenco ou do carisma dos outros personagens, que são o sinistro mordomo negro de Sir Malcon, Sembene, vivido por Danny Sapani e a criatura de Frankeinstein, que recebe o nome de Calibã, trabalha no Backstage do teatro londrino e assombra seu criador no sonho de ter uma noiva ( O episódio onde ele conta sua história é fantástico ); perto disso os dois jovens parecem frageis e quase deslocados, embora a cena de diálogo quando o jovem doutor pensa em matar sua criatura seja emocionante e mesmo o Doryan Gray da série bata fácil o apresentado em “A liga Extraordinária” .

Timothy Dalton como Sir. Malcon Murray
  E por falar em “Liga Extraordinária”, acredito que a série seja mais digna do nome do que o terrível filme de 2003, que não soube levar para a tela grande a tensão presente nas HQ's, quando terminei de assistir a série a primeira coisa que pensei foi “E o que será que Alan Morre pensou disso tudo?” … Bom, isso eu não sei, mas o que achei foi que “Penny Dreadful” Não me decepcionou ,muito pelo contrário, foi uma série divertida, repleta de suspense, ótimas atuações e momentos espetaculares, misturando a origem de personagens clássicos da literatura de terror Inglesa sem apelar para o estilo blockbuster de ação sem limites ou debochar da inteligência de quem assiste. Recomendo muito! Nota 8,5