segunda-feira, 25 de abril de 2011

"IKIRU - viver " Uma resenha com 59 anos de atraso

Eu sou Cinéfilo. Sou fã de cinema e gosto em especial do estilo chamado alternativo;esse tipo de filme se caracteriza por ter como protagonistas anti-heróis ou perdedores, quando não anti-heróis perdedores , o tipo de gente que acaba sucumbindo à antagonistas que são maiores que eles, como a sociedade ou algum evento sobrenatural. Para dizer a verdade, nunca entendi o apelido de “alternativo”para esse estilo de filme, desgraças, tragédias e deslocamento social estão muito mais presentes em nossas vidas do que “finais felizes”, os tele jornais estão aí para comprovar. Mas voltando ao assunto, Esse tipo de filme tem suas raízes no que há de melhor no teatro grego e na literatura russa , duas escolas mestras em esquadrinhar a alma e as angústias humanas,Uma lida em “Édipo rei” e “Crime & castigo” comprovam isso, e jogando esse contexto para o cinema, nenhum diretor foi melhor sucedido do que Akira Kurosawa.

Mesmo não sendo um diretor underground , dentro do cenário cinematográfico atual eu classificaria Akira Kurosawa como um diretor de filmes alternativos, suas obras “Roshomon - Nos portões do inferno” e “Donzoko – Ralé” expõem essa minha visão, o primeiro usa o testemunho de três homens para apresentar ao expectador diferentes perspectivas sobre um assassinato, mostrando que o mesmo acontecimento pode ter diversas interpretações; o segundo mostra o cotidiano de um bando de vagabundos, bêbados e prostitutas, que têm na miséria e ignorância seus principais antagonistas,filmado em um estilo teatral, que as vezes chega às portas do teatro Kabuki, esse filme mostra a pobreza como uma prisão sem grades e dá brilho a ela, isso em uma época onde o glamour e a riqueza eram marcas registradas do cinema. Para mim, isso é ser alternativo.

Cito Kirosawa, em especial para falar de um filme, “IKIRU, viver “ que para mim, foi um dos melhores filmes já produzidos, e ele é de 1952!!. O filme conta a história de Kanji Watanabe , burocrata da terceira idade preso à rotina de um serviço público ,o qual é chefe de departamento,e que tem sua vida virada após descobrir que têm câncer de estômago e está em estado terminal, a partir de então o mesmo passa a se questionar e procurar significados para sua existência. O filme é narrado em duas partes, na primeira somos apresentados Watanabe, sua rotina, família, duvidas, frustações e doença; na segunda somos colocados no velório do protagonista, onde seus conhecidos e amigos debatem sobre a vida e os feitos do falecido e principalmente o porquê da mudanças de personalidade pouco antes de o mesmo morrer. Quem já teve o desprazer de conversar comigo sobre cinema, sabe que este é um de meus filmes preferidos. A solidão, compaixão, angústia ,esses "temperos da vida" , estão todos lá. Enquanto os americanos se vangloriam dizendo que “Cidadão Kane” foi o melhor filme já feito eu digo que se derem a oportunidade de as pessoas verem os filmes de Orson Welles e o de Kirosawa , escolheriam IKIRU como sendo muito melhor.

Em Ikiru existem muitas cenas marcantes, uma que eu gosto especialmente é quando a jovem que trabalha no departamento de Watanabe, (por quem ele fica obcecado) é criticada por rir e divertir-se no ambiente de trabalho e após isso o questiona se ele nunca quis nada mais do que aquela vida, Watanabe a ignora e confisca o motivo de sua distração ( suas histórias em quadrinhos) , quando as coloca na gaveta, a câmera mostra um “relatório de melhorias para o departamento” escondido abaixo de alguns papeis, dando a entender que o protagonista deixou suas frustrações e comodismo soterrarem o melhor que ele tinha a oferecer, precisando descobrir mais adiante, que estava morrendo para voltar a viver.

“Ikiru” é livremente inspirado em “A morte de Ivan Illicht” de Tostói, esse livro conta a trajetória de um funcionário público que vai definhando devido à uma doença incurável e que tem como únicos desejos que as pessoas sintam piedade de sua situação e o vejam como uma pessoa doente ao invés de um peso. Watanabe, no filme de Kurosawa, toma um caminho diferente, para dar sentido a sua vida resolve construir um playground em um bairro carente, à tempos assolado por alagamentos e vitima do descaso das autoridades, ao invés de procurar a piedade, ele se apieda dos outros e opta por sacrificar-se por eles e nos últimos instantes encontra a razão para sua existência, não os pálidos sentimentos de piedade de terceiros, mas a satisfação que o sacrifício e a atitude trazem quando batalhamos para beneficiar quem necessita.

IKIRU,Capa do DVD!

Nenhum comentário:

Postar um comentário